Fugas - Vinhos

Anabela Rosas Trindade/Artstudio

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Do Petrus à Boavista, a fazer vinho como quem ouve Mozart

 

Vinho que conta uma casta

Jean-Claude Berrouet é um homem com uma história extraordinária. Durante 40 anos, até 2007, fez aquele que é hoje um dos grandes vinhos míticos do mundo (actualmente é o seu filho Olivier que o faz) — e um dos que atinge preços mais exorbitantes (em Portugal uma garrafa pode custar entre os 2500 e os 3000 euros). Com uma fama que cresceu sobretudo após a II Guerra Mundial, ficou conhecido como o vinho favorito dos Kennedy e a procura é tão grande que o preço inevitavelmente o torna inalcançável para a maioria das pessoas.

O que faz o Petrus ser tão especial? “Costumo dizer que com o Petrus não é preciso fazer nada”, responde Jean-Claude. “É uma brincadeira, claro, mas penso-o sinceramente. É preciso deixá-lo exprimir-se e sobretudo não usar técnicas que temos à nossa disposição.” Num mundo em que quase tudo é comunicação, o vinho não escapa a isso. “Hoje na comunicação há muita violência para alertar os interlocutores, é preciso agressividade porque tudo o que é equilibrado interessa pouco às pessoas. Mas eu sou partidário de deixar a natureza exprimir-se na sua doçura, na sua amabilidade.”

Diz-se que um dos segredos do Petrus são os solos daquela zona do Pomerol com as suas argilas muito finas nas quais estão plantadas as vinhas e que têm uma capacidade para reter água e passá-la à vinha na medida certa. O homem, como diz Jean-Claude, tem apenas que escutar e interpretar, sabendo que cada ano é um pouco diferente e o vinho irá reflectir isso.

E o que leva um enólogo que fez um dos melhores vinhos do mundo a vir para o Douro? Foi o amigo Marcelo Lima, um dos sócios da Lima Smith, que o desafiou em 2014, altura em que a colaboração começou (a Lima Smith comprou a quinta à Sogrape em 2012 e fez a primeira vindima no ano seguinte).

Ele nunca tinha trabalhado no Douro e Jean-Claude só aceita alguma coisa quando sabe que lhe dará prazer. Era o caso aqui, pelas pessoas com quem está a trabalhar, pela “descoberta” do Douro, por este “solo muito original, com uma personalidade muito forte” e por esta paisagem extraordinária que vemos da janela na Boavista. “Viu como estava bonito aqui esta manhã? Viu os socalcos? É uma beleza.”

O vinho que estão a fazer vai, então, contar esta paisagem? “O vinho não conta uma paisagem. Uma paisagem é uma percepção visual. O vinho conta, eventualmente, uma casta — e a Touriga Nacional é muito forte aqui —, conta um solo e um clima que muda todos os anos. O homem que o transforma em música vai potenciar essa expressão. O nosso trabalho é um acto de humildade.”

 

Oh là, là

As castas, na sua diversidade, são essenciais, claro. “A história da vinha e do vinho é a da diversidade das castas, sempre. Uniformizar, ter o Cabernet Sauvignon para os tintos e o Chardonnay para os brancos, isso não é a história do vinho”, diz. Mas avisa: “Uma casta também não faz a história de uma região.” Também não aceita a ideia de que existam fronteiras fixas entre os vinhos do Velho Mundo e os do Novo Mundo. “Comecei a trabalhar na Califórnia em 1983 e o que percebi é que no interior de cada país existem todas as escolas de pensamento. Há os modernos e os antigos. Não existe um pensamento único.”

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