Fugas - Vinhos

Anabela Rosas Trindade/Artstudio

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Do Petrus à Boavista, a fazer vinho como quem ouve Mozart

Gosta muito de fazer comparações entre a enologia e música ou a pintura. “Quando se vê uma pintura de Renoir ou de Picasso, são construídas com expressões totalmente diferentes. Interessa-se por pintura, um pouco? Francis Bacon era um pintor muito expressivo, inspirava-se muito em Velasquez, um pintor clássico, mas encontrou uma nova via de expressão, deu-lhe uma outra personalidade.”

E fala sempre de diversidade. “Quando gostamos de pintura ou de música não nos interessamos apenas por um único pintor ou compositor — mesmo que seja Mozart, é um pouco absurdo dizer que não nos interessa mais nenhum.”

Mais tarde, ao almoço, volta à questão da diversidade. “Sobretudo nas degustações internacionais, faz-se um standard. Não há nada mais ridículo. É preciso aceitar o facto de que cada região é diferente, é terrível tentar tornar tudo igual. Só na minha região de Bordéus estamos num mundo de tal diversidade… Onde os solos são calcários temos um tipo de vinho, se vamos para terrenos de argila temos vinhos com uma forte sensualidade. Se vamos para a China temos tudo e o seu contrário. Mas é esta a história do vinho e isso é que é extraordinário.”

Tem-se interessado, por exemplo, pelo que se está a fazer na China. São vinhos que olhamos com alguma distância. Mas, defende, “o nosso olhar é restritivo” e devemos perceber que, perante a grande complexidade de sabores que compõem uma refeição na China, os vinhos têm que ser mais “ligeiros e refrescantes”. “Não temos o direito de julgar o vinho no nosso contexto, temos que o ver no contexto em que ele é consumido.”

E, acima de tudo, é importante deixar de lado os aspectos técnicos. “Quando sou convidado para um jantar e me pedem para descrever um vinho…”. Faz um gesto no ar como quem diz que nada disso importa. “O meu sonho é não ser obrigado a intelectualizá-lo.” Tal como num grande concerto, a vontade é “ficar no silêncio e no recolhimento”.

Não significa, no entanto, que tudo se centre na emoção. “O conhecimento torna a percepção inteligente, é o que digo sempre aos meus alunos. Há toda uma educação. Se nunca escutou uma composição musical, se nunca provou um vinho…”. Mas “quando um vinho é excepcional, estamos concentrados numa forma de felicidade interior e não temos vontade de o analisar, de o dissecar. Dizemos ‘oh, là, là, é bom’. E isso basta.”

 

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