Fugas - Vinhos

Anabela Rosas Trindade/Artstudio

Do Petrus à Boavista, a fazer vinho como quem ouve Mozart

Por Alexandra Prado Coelho

O enólogo que durante 40 anos fez o mítico Petrus esteve no Douro a ajudar a criar os próximos vinhos da Quinta da Boavista. Jean-Claude Berrouet explicou à Fugas que para chegar a um grande vinho é preciso fazer “quase nada”. Basta deixá-lo exprimir-se. “O nosso trabalho é um acto de humildade.”

Em cima da mesa estão alinhadas umas duas dezenas de garrafas. À frente delas, algumas provetas. E vários copos usados. Quando entramos há um silêncio interrompido apenas por murmúrios de vozes que falam em francês.

Os homens em pé à volta da mesa provam uma das amostras de vinho, trocam impressões, param para pensar e procurar o termo exacto, discutem afinações mínimas, detalhes quase imperceptíveis, subtilezas que escapam a todos os que os observam com curiosidade.

Um dos homens é Jean-Claude Berrouet, um dos mais famosos enólogos do mundo, que durante meio século criou, com sensibilidade e delicadeza, um dos vinhos míticos do último século, nascido em Bordéus: o Petrus. Berrouet está na Quinta da Boavista, no Douro, propriedade do grupo Lima Smith (que tem também as quintas da Covela e das Tecedeiras) para ajudar o enólogo Rui Cunha a desenhar o próximo Quinta da Boavista, que estará no mercado em 2018. 

Na sala com vista para os magníficos socalcos que acolhem a vinha do Oratório, com o retrato do barão de Forrester observando-nos da parede, acontece essa tarefa mágica que é a intervenção do homem sobre a natureza — de forma não a apagá-la ou a forçá-la a ser diferente, mas de forma a trazer ao de cima tudo o que ela realmente é.

Esta é a filosofia de Berrouet, que, no intervalo de uma prova, se aproxima de nós e, sem esperar qualquer pergunta, começa, na sua voz profunda, a falar do terroir. “É uma palavra francesa mas tem um carácter universal. O sufixo oir define funções. Tal como um refeitório é o local onde se fazem as refeições, terroir significa que o homem deu uma função à terra. A terra cultivada tornou-se um terroir. E um vinho tem a originalidade de contar a história de um terroir. Conta-a melhor que uma batata ou um tomate porque é mágico.”

Mas, continua, o vinho apenas a conta melhor, porque os outros produtos também sabem falar do terroir de onde vêm — essa mistura de solo, clima, uma planta e do trabalho do homem. “Trabalhei com o chef francês Michel Gérard e por vezes fazíamos uma degustação de dez batatas com cores, texturas e sabores diferentes”, conta. “Se formos muito atentos na vida percebemos que há diferenças e descobrimos um mundo que é de grande subtileza.”

Afasta-se uns minutos para mais algumas provas. “Posso provar novamente o número 12 e o 7?” Pára uns segundos para reflectir, avaliar, perceber o que é que aquelas amostras específicas podem trazer para o lote. “O que vamos fazer é homeopático”, comenta.

Volta para junto de nós e continua a conversa interrompida. “Noto as características e complementaridades de cada elemento. O que tentamos é criar um conjunto o mais harmonioso possível, trabalhando com percentagens muito pequenas. Fazemos uma composição como os perfumistas. Mas claro que cada enólogo tem a sua própria sensibilidade e com os mesmos elementos podemos construir algo totalmente diferente.”

Antes de as diferentes amostras serem misturadas na proveta, como é que se imagina o resultado final? É algo que se constrói logo na cabeça? “Agora sim, ao fim de 50 anos já o faço na minha cabeça. Por vezes funciona, outras não. Temos ideias feitas mas a natureza é caprichosa e o resultado pode não ser o que esperávamos. Apontamos para uma base, se ela não funciona tentamos melhorá-la com pequenos passos. É a política dos pequenos passos.”

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