Num sector em queda permanente, a produção de vinho continua a ser uma das poucas actividades do sector primário nacional que se afirma competitiva e capaz de gerar riqueza. Mas, apesar do potencial e de uma inegável capacidade de gerar riqueza, apesar da aptidão para o vinho se afirmar como uma das bandeiras económicas e de imagem de Portugal, o sector do vinho e da viticultura não pode esquecer que o mundo vive instantes de tensão económica que propiciam convulsões e desventuras.
Por isso, a diversificação da oferta é tão decisiva para a sobrevivência de empresas que na sua maioria são familiares e de média, pequena ou pequeníssima dimensão, condição que torna a sua sobrevivência e competitividade numa faina mais delicada. Nenhuma actividade económica poderá ser tão natural e complementar como o enoturismo, esse ramo tão especializado do turismo mais clássico que se situa mais próximo dos valores da natureza e da promoção dos prazeres hedonistas. Um nicho de mercado que atrai visitantes que privilegiam um envolvimento mais directo e íntimo com a natureza, turistas que procuram e investem mais na história e cultura, na ligação com as pessoas e a sociedade, e, como não poderia ser face à forte correlação entre vinho e mesa, na gastronomia.
O mundo do vinho e da vinha, a paisagem vínica, com tudo o que lhe está intimamente associado, funciona ao mesmo tempo como um catalisador e como facilitador para esta forma alternativa de fazer turismo que já passou de esperança para certeza. Um tipo de turismo alternativo que consegue aliciar turistas que, apesar de serem mais exigentes, dispõem de um poder aquisitivo superior que surge aliado a um padrão cultural mais elevado. Circunstância que, ao colocar o ónus de uma exigência maior e de um espírito crítico intenso, obriga a que a aposta na qualidade e originalidade da oferta seja factor essencial para o desenvolvimento e sucesso da empreitada.
Mas não se assuma que o enoturismo pode e deve ser dissociado das razões tradicionais para fazer férias. O enoturismo é perfeitamente conciliável com as motivações e razões clássicas para fazer turismo, sejam elas o simples descanso, as viagens de negócios, visitas a amigos ou familiares, golfe, descoberta de paisagens, história, aventura, praia ou qualquer outra motivação. Na realidade, as várias causas devem ser promovidas em paralelo de forma a conciliar eventuais interesses divergentes de uma família que poderia não ter interesse em dedicar todo o seu tempo à descoberta de adegas ou de regiões vinhateiras.
Infelizmente, o enoturismo pode ser tanto um factor conciliador e promotor do dinamismo de uma região como ser um factor de descaracterização e transformação de uma região em algo que a desvirtua para acomodar um falso sentido de tradição. Se algumas das mais famosas regiões do mundo que ganharam visibilidade e sucesso com o enoturismo conseguiram manter a sua autenticidade, outras soçobraram ao reino do pastiche, do plástico, dos resorts sem alma e sem identidade.
Curiosamente, têm sido as regiões com mais história, mais anos e mais personalidade a conseguir defender a sua identidade de forma mais evidente, apostando mesmo nesse peso histórico como factor diferenciador e identificador. Entre outros bons exemplos, podemos mencionar a região da Toscana, em Itália, a região do Priorato, na Catalunha, ou a região de Mosel, na Alemanha. As regiões mais jovens e com menos percurso histórico, sobretudo aquelas situadas nos países do chamado novo mundo, sentem maiores dificuldades na manifestação de autenticidade e originalidade, cedendo aos caprichos de uma paisagem que em alguns momentos e lugares ficou quase convertida numa espécie de Disneyland para adultos.
Poderá até ser motivador para um grupo de visitantes menos formal, mas dificilmente poderá sobreviver ao passar do tempo e dificilmente poderá ser motivador para quem entende o enoturismo como um destino diferenciador, genuíno e capaz de perdurar no tempo. E convém não esquecer que, no mundo do vinho, tudo se mede em décadas numa análise do tempo que pouco tem a ver com o calendário definido pelo relógio.
Em Portugal, país tradicional e antigo mas sem grande tradição no enoturismo, percebe-se uma tensão para que os investimentos sejam cada vez mais ousados e menos consoantes com a realidade da região onde estão implantados. Por vezes são importados conceitos vindos de outras paragens que nada têm a ver com a nossa realidade e que têm pouco cabimento nas nossas tradições. É fundamental que o enoturismo não seja dissociado do quadro genérico da região e que as políticas de investimento tenham em conta esta evidência.
Quem já visitou Napa Valley, na Califórnia, não pode deixar de sentir um sentimento de estar a visitar algo engraçado e soberbamente organizado mas que parece ser feito de plástico, desenhado a régua e esquadro para satisfazer os caprichos dos urbanos, pensado até ao último pormenor para parecer legítimo e genuíno. Mas, no fundo, todos percebemos que não é. Quem já visitou Stellenbosch, na África do Sul, não pode deixar de regressar com um sentimento de alegria, de cumplicidade, de paixão e entusiasmo por tudo ser verdadeiro, real, sem fantasias mas com a simplicidade, autenticidade e sinceridade de quem não tem de fingir o que não é.