Fugas - Vinhos

  • Nelson Garrido
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Soalheiro e Quinta de Folga: quantas maneiras há de conhecer o Alvarinho?

Por Alexandra Prado Coelho

As quintas do Soalheiro e de Folga, dois projectos da mesma família, em Melgaço, apostam cada vez mais no enoturismo porque acreditam que vale a pena dar a conhecer os vinhos (neste caso o Alvarinho) e o fumeiro tradicional no local onde eles nascem.

 António Luís Cerdeira olha-nos enquanto tenta decidir como vai organizar a nossa visita à adega do Soalheiro. Estamos a conversar há alguns minutos e o enólogo tenta perceber o que sabemos sobre vinho e o quanto gostaríamos de aprofundar o nosso conhecimento. É em função disso que decidirá o caminho a tomar.

Porque, apesar de estarmos numa quinta, em Melgaço, no Minho, famosa pelo seu trabalho sobretudo com uma casta, o igualmente famoso Alvarinho, há muitas formas de apresentar o que aqui se faz. Luís Cerdeira rearruma em cima de um balcão as garrafas que constituem o portefólio do Soalheiro e vai pensando alto. “Podíamos organizar a família Soalheiro, por exemplo, como os vinhos mais tradicionais, os naturais e os de baixo teor alcoólico.”

Pára um momento e recomeça: “Ou podíamos fazer outro puzzle mais engraçado, que é pegar no Allo (Alvarinho e Loureiro) e no Clássico e dizer que estes são os nossos vinhos frutados, pegar no Granit, no Primeiras Vinhas e no Reserva e dizer estes são os nossos vinhos minerais, o Terra Matter e Soalheiro Nature, que vamos agora lançar, são os naturais, depois temos o 9%, com pouco álcool, e o Oppaco, que é um vinho um pouco à parte, o nosso único tinto, com Alvarinho e Vinhão, que costumo dizer que está a meio caminho entre um branco e um tinto.”

Enfim, percebemos a ideia: é tudo Alvarinho, a casta símbolo da região, mas a diversidade de vinhos que aqui se apresenta é precisamente prova daquilo a que Luís chama “a elasticidade” da casta, que permite fazer vinhos muito diferentes entre si. Vamos recuar no tempo para entender a ligação da Quinta do Soalheiro ao Alvarinho.

Foi em 1974 que a família, na altura João António Cerdeira, pai de Luís (e de Maria João Cerdeira, hoje também no negócio ao lado do irmão e da mãe, Maria Palmira) plantou aqui, com a ajuda do seu pai, a primeira vinha de Alvarinho. Oito anos depois nascia a marca Soalheiro.

Continuando sempre a explorar a tal elasticidade da casta — o Nature Pure Terroir, a mais recente aventura, quase a chegar ao mercado, mostra o interesse crescente do Soalheiro nos vinhos naturais, sem filtração e sem sulfitos —, a família quer apostar cada vez mais no enoturismo, mostrando a quem a visita a relação profunda que existe entre os vinhos e o território. E tirando partido do facto de, a dois passos do Soalheiro, estar a Quinta da Folga, onde Maria João e o marido, Rui, criaram um fumeiro tradicional para fazer enchidos de porco bísaro. Mas isso será para o final da nossa visita. Para já, entremos na adega, guiados por Luís.

Passamos primeiro pela cave onde estão os espumantes — o Bruto Alvarinho e o Bruto Rosé — e que já começa a ser pequena para o crescimento deste segmento, que, para já, está virado sobretudo para o mercado interno, enquanto o resto do portefólio é já exportado para 27 países, tendo no Norte da Europa os seus melhores mercados. 

O enólogo acaba por abandonar a ideia inicial de, nesta visita, comparar o Allo com o Clássico e o Primeiras Vinhas com o Reserva, e ainda o Clássico com o Granit — “uma coisa didáctica e simples”, tinha dito — porque paramos em frente a um enorme ovo preto e a conversa vai por outros caminhos. Vamos, afinal, fazer uma visita que ainda não existe oficialmente (será introduzida em breve) e que é a das provas de adega.

Mas, percebemos, é isto que estes percursos no Soalheiro têm de bom: não são chapa cinco e vão-se adaptando aos interesses que os visitantes vão demonstrando. “A visita é tanto melhor quanto mais a pessoa pedir de nós”, sublinha Luís.

O tal ovo preto que nos chama a atenção é uma inovação — têm apenas dois — e uma alternativa às cubas de inox e às barricas. “O Soalheiro Clássico, Primeiras Vinhas e Reserva tem vinificações mais tradicionais, no inox e na barrica, mas para o Terra Matter, que é o bio, usamos este conceito do ovo, muito ligado à biodinâmica”, prossegue Luís.

“Esta forma faz com que não existam arestas e como é mais largo em baixo, quando há altas pressões e baixas pressões há uma variação do volume do líquido, o que induz movimento e faz levantar a borra, que dá estrutura ao vinho, uma sensação de doce sem ser açúcar. Aqui isso é feito de forma natural levantando apenas a borra fina, enquanto nas barricas se faz a bâtonnage mecânica, que levanta a borra fina e a grossa.” Provamos o Terra Matter, ainda no ovo, e o enólogo nota que “faz salivar”. “Não é um vinho muito óbvio, como o Soalheiro Clássico, que é logo uma explosão de fruta. Aqui queremos a elegância.”

E seguimos adega fora para provar o mesmo vinho tirado de uma barrica, onde a oxigenação é maior que no ovo (este, sendo de cimento, tem uma microporosidade) e, por fim, de uma cuba de inox. A presença dos taninos da madeira, amargos, acentua a presença de ácido no vinho, embora “a química seja exactamente igual”. No final, brinca Luís, tendo percebido as diferenças, já estamos prontos para fazer lotes.

Fazemos uma rápida passagem pelo exterior, para perceber o território, rodeado por serras, que permite ao Alvarinho revelar-se no seu melhor, graças à grande amplitude térmica que aqui existe, e seguimos para a Quinta de Folga, onde iremos almoçar.

O fumeiro e o porco bísaro

Agora é Maria João que vai assumir o papel de guia e contar-nos como em 2007 começaram a ter aqui o porco bísaro, uma raça do Norte do país, que esteve quase extinta mas que tem vindo a ser gradualmente recuperada (sobretudo a partir de Trás-os-Montes) e que está ligada à produção de carne para os tradicionais fumeiros regionais.

“O receituário dos nossos produtos foi conseguido através da recolha de informação de várias pessoas da região, entre a minha avó e outras senhoras, que vieram fazer cá as receitas. Elas não conseguiam dar as receitas escritas, tinham que as executar. Cada um de nós andava com uma senhora e tomávamos notas de, por exemplo, quanto sal usavam. Elas tiravam à mão e nós pesávamos para ver quanto era.”

Os animais são abatidos no matadouro, as carcaças chegam aqui onde se separa a carne para os enchidos (chouriça de carne, salpicão, chouriça de sangue e alheira) da carne fresca (lombo, cachaço e costelinha), que é guardada para os eventos. E depois há, claro, a estrela: o presunto, que tem uma cura de três anos.

Passamos pela sala de salga dos presuntos e depois por outra onde são deixados a maturar e, por fim, pelo fumeiro, onde é utilizada apenas madeira de carvalho. “É uma lenha não resinosa e tem uma combustão lenta, que é o que nos interessa porque alguns produtos, como o salpicão, ficam um mês no fumeiro”, explica Rui Lameiro, o marido de Maria João.

Ainda vamos lá fora conhecer alguns dos porcos bísaros, com as suas longas orelhas a tapar-lhes os olhos, mas é tempo de passarmos ao almoço. Espera-nos uma mesa cheia de coisas boas: o delicioso presunto, os vários enchidos, as alheiras com um ligeiro “piquinho”, como diz Maria João, e ainda produtos de vizinhos e amigos, como o sal da Salmarim (fizeram uma parceria para um sal fumado) ou os queijos de cabra Prados de Melgaço.

Com as costeletinhas, o lombo e o cachaço, agriões frescos e arroz selvagem, o pão-de-ló que é receita da mãe de Luís e Maria João e ainda um prato de aletria, tudo acompanhado pelos vinhos Soalheiro (percebemos aí como o 9% é óptimo para acompanhar sobremesas mais leves e experimentamos um Soalheiro de 2006 para ver como o Alvarinho envelhece bem), a visita termina como um animado almoço de família. Apesar de terem passado poucas horas, despedimo-nos com a sensação de que conhecemos Maria João e Luís desde sempre, que foi um prazer reencontrarmo-nos e que, de certeza, iremos voltar.

 

Vistas Soalheiro e Quinta de Folga

Visita Adega e Prova (prova de Soalheiro Clássico)
Horário: de segunda a sexta, das 9h às11h30 e das 13h30 às 16h30; sábados, das 10h às 12h30 e das 14h às 17h30.
Preço: 6€.

Visita Clássica (adega e prova com prova de fumeiro da Quinta de Folga e Soalheiro Clássico, duração aproximada 1 hora)
Preço: 12,50€

 Visita Clássica + Espumante (adega e vinha, prova de fumeio com Soalheiro Clássico e Soalheiro Espumante e duração aproximada de uma hora)
Preço: 30€

Visita Clássica + Espumante + Primeiras Vinhas (adega e vinha, prova de fumeiro com Soalheiro Espumante, Clássico e Primeiras Vinhas, duração 1h30)
Preço: 40€

Visita e Prova Super Premium (adega e prova de Soalheiro clássico; Soalheiro Primeiras Vinhas e Soalheiro Reserva; prova de Soalheiro espumantes (Alvarinho e Bruto Rosé); Prova Soalheiro 9% e ALLO (Alvarinho & Loureiro)
Horário: de segunda a sexta, das 9h às 11h30 e das 13h30 às 16h30; sábados das 10h às 12h30 e das 14h às17h30.
Preço: 70€

Mais informações no site www.soalheiro.com (para aceder à loja, onde se vendem as visitas, é necessário inscrição prévia)

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