Fugas - Vinhos

Martin Henrik

Revistas, feiras e misérias

Por Pedro Garcias (crónica)

Não fica bem escrever sobre colegas do mesmo ofício. Mas fica bem ignorar o atropelo de alguns, só por cumplicidade corporativa? Veja-se o caso da Revista de Vinhos, agora gerida e editada pela empresa Essência do Vinho.

A Essência do Vinho é uma empresa que nasceu e cresceu em torno da Associação Comercial do Porto, quando esta era liderada por Rui Moreira, o actual presidente da Câmara do Porto. Agora, um dos sócios da empresa, Nuno Botelho, é o próprio presidente da Associação Comercial do Porto, detentora do Palácio da Bolsa, onde a Essência do Vinho realiza anualmente umas das principais feiras de vinhos do país. Além desta feira, a Essência do Vinho organiza outros eventos ligados ao vinho e à gastronomia, faz outsourcing para o Instituto do Vinho do Douro e do Porto e publicava uma revista mensal, a Wine.

Há uns meses, a equipa que produzia a Revista de Vinhos, liderada por Luís Lopes, saiu em bloco, para formar uma nova revista, a Vinho-Grandes Escolhas (foi apresentada ontem, mas esta crónica é anterior). Saiu em divergência com a empresa proprietária da Revista de Vinhos, a luso-angolana Masemba, que, logo a seguir, fez uma parceria com a Essência do Vinho para a gestão integral daquele título. Para dar esse passo, a Essência do Vinho deixou de publicar a sua própria revista, a Wine.

Resumindo: a Wine, concorrente da Revista de Vinhos, fechou para ir tomar conta da publicação rival e quem fazia esta saiu para criar outra revista, que vai agora ser concorrente da Revista de Vinhos. Parece confuso, mas não é. Só mudaram os nomes e as cadeiras.

Até aqui, tudo pacífico. Mas o “primeiro” número da Revista de Vinhos-Essência do Vinho, de Abril, veio levantar um pouco o véu sobre as “misérias” que se vivem no sector. Em causa está uma prova envolvendo o vinho Adegamãe Terroir Branco 2013, um vinho com um PVP de 39 euros. Em Janeiro, a Revista de Vinhos, na altura dirigida por Luís Lopes, classificou o vinho com 18 pontos em 20 possíveis, uma nota de excelência; em Abril, a mesma revista, agora dirigida por Nuno Pires, deu ao vinho 14,5 pontos, uma nota só atribuída a vinhos banais. Esta disparidade, face à unanimidade gerada em torno daquele branco (em Dezembro, a Fugas tinha atribuído ao mesmo vinho 91 pontos, uma nota também de excelência), levantou uma onda de estupefacção e de críticas junto de muitos produtores e enófilos.

Mas a gravidade deste caso não tem tanto a ver com a diferença de pontuação. É sempre admissível que dois provadores diferentes possam pontuar o mesmo vinho de forma tão díspar. Tem mais a ver com o facto de o director da Revista de Vinhos estar incompatibilizado com Anselmo Mendes, um dos dois enólogos que fazem o vinho — o outro é Diogo Lopes. Anselmo Mendes — que, goste-se ou não, é um dos enólogos e produtores portugueses com maior renome nacional e internacional — já estava, de resto, banido da Wine. Este caso é muito mais do que uma “guerrinha” pessoal, pois sabe-se que o novo director da Revista de Vinhos avocou o poder de modificar as notas finais dos seus provadores. Foi a própria revista que o escreveu e o anunciou aos seus colaboradores. O trabalho de muitos produtores e enólogos fica assim à mercê do poder discricionário e das birras de uma única pessoa.

Não é um drama, é apenas algo triste. Não é um drama porque devemos relativizar o peso da Revista de Vinhos e de todas as outras revistas e jornais que escrevem sobre vinhos, PÚBLICO incluído. A opinião dos críticos pode ser importante, mas é apenas isso: uma opinião. A palavra decisiva pertence sempre ao consumidor. Muitos produtores sofrem desnecessariamente por esquecer esta verdade. Fazer vinhos em função da opinião dos críticos — ou investir em publicidade só para obter a simpatia de quem escreve — é, quase sempre, meio caminho andado para a desgraça. Nunca fez mal a ninguém pensar pela própria cabeça.

Dramático é as publicações de vinhos em Portugal viverem cada vez mais de feiras e de outros eventos — por necessidade, na maioria dos casos. Para quem vende vinho, as feiras são importantes, apesar de caras, pelo menos as principais. Mas, quando estas são organizadas pelas mesmas revistas que classificam os vinhos e atribuem prémios, entra-se num caminho perigoso: as revistas perdem alguma independência editorial, por mais sérios que sejam os seus redactores, e os produtores sentem-se quase “obrigados” a participar, com receio de que a sua ausência possa vir a prejudicá-los. E isto é válido para toda a imprensa.

--%>