Fugas - Vinhos

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A nova geração que está a dar a volta à Aveleda

Por Manuel Carvalho

Tiago Guedes e António Guedes pegaram na Aveleda há quatro anos e lançaram um ambicioso projecto estratégico que promete revolucionar a companhia. A aposta na duplicação da área de vinha, nos verdes topo de gama, no Douro ou na Bairrada auguram uma nova estrela multiregional no país.

 Aveleda é uma empresa discreta por hábito e tradição e é por isso que dentro das suas portas há uma revolução que tem tem passado ao lado das atenções do mundo português do vinho. As mudanças na viticultura foram objecto do prémio “Melhores do Ano” de 2016 da antiga Revista de Vinhos (da equipa que lançou a Vinho – Grandes Escolhas), mas desde que António Guedes e o seu primo Tiago tomaram conta da maior empresa dos vinhos Verdes, os valores estratégicos foram actualizados, o perfil dos vinhos consolidado de acordo com novas exigências, a gama de produtos modernizada e as ambições renovadas. Até 2020 a Aveleda quer colocar no mercado 20 milhões de garrafas por ano e facturar 40 milhões de euros. Para lá chegar foi preciso pegar numa herança familiar madura e consistente e considerar “o eixo da inovação como prioridade”, diz António Guedes, 40 anos, engenheiro agrónomo e director das áreas de produção e recursos humanos da Aveleda.

Nesse “eixo” o perfil dos vinhos das diferentes gamas merece, obviamente, especial cuidado. A Aveleda é muitas vezes mencionada como um gigante com dificuldades em criar vinhos topo de gama, mas quem provar hoje um Quinta da Aveleda dificilmente encontrará um termo de comparação com os vinhos do passado. São Verdes modernos, frutados e com volume, sem abdicarem de um perfil mais ácido e seco que fez o prestígio da região. Na hierarquia dos vinhos, há distinções na gama Follies e há ainda os Reserva da Família, colocados no topo da qualidade. É na base do portefólio da empresa, na gama dos Casal Garcia ou dos Grinalda que os brancos da casa adquirem uma feição mais fácil e comercial. Depois, há ainda os Charamba no Douro ou os Quinta da Aguieira na Bairrada, experiências que nos últimos anos estiveram longe de obter os resultados pretendidos. Já lá iremos.

Quando, em 2013, Tiago e António Guedes chegaram à administração da Aveleda, a empresa tinha já deixado o mundo conservador e estático dos negócios de outrora – em 2010 fora lançado um estudo para o reposicionamento das marcas. Em 2012 nascem os Reserva da Família e os Aveleda da nova geração. Mas a empresa encontrava-se ainda num limbo entre uma fórmula de sucesso alimentada por marcas poderosas como a Casal Garcia e a necessidade de acelerar o passo para acompanhar a revolução em curso no vinho português. Em 2014, a nova geração dos Guedes traça então o seu plano a médio prazo, com o objectivo de chegar aos 40 milhões de euros de volume de negócios em 2020. Os indicadores do ano passado mostraram que o plano está a ser realizado: a Aveleda vendeu 17 milhões de caixas de vinho (12 garrafas cada caixa) e facturou 33 milhões de euros, o que, face ao ano anterior, representa um crescimento de 4% em valor e 3% em volume. Mas o ritmo vai ter de ser acelerado nos próximos anos.

A base do negócio da empresa continua a ser, de longe, o Casal Garcia, que gera 70% do valor e 75% das quantidades de vinho vendidas. Mas as perspectivas de crescimento vão ter de passar pelos segmentos de qualidade superior. “As categorias especiais são as que mais crescem nos vinhos Verdes”, diz António Guedes. “Os consumidores querem cada vez mais produtos especializados”, acrescenta. Para ir ao encontro dessa procura, a Aveleda prepara-se para diversificar o seu catálogo de vinhos monocasta. O Quinta da Aveleda Loureiro-Alvarinho é já um sucesso que lhe mereceu a por quatro vezes (em quatro anos) a distinção de ocupar o top 3 do vinho “best buy” (melhor compra) na revista norte-americana Wine Enthusiast – numa dessas vezes ocupou mesmo o primeiro lugar. Este Aveleda vende um milhão de garrafas e cresceu 10% no ano passado. A aposta nestas castas será reforçada, mas a equipa de enologia, liderada por Manuel Soares, não descura a aposta em outras variedades regionais, como, por exemplo, a Trajadura ou a Fernão Pires.

O cumprimento do plano, porém, não dispensa apostas fora da região dos Verdes. A médio prazo, a Aveleda espera que os vinhos tintos representem 15% do seu volume de negócio e, para lá chegar, é preciso percorrer uma longa distância. “Estrategicamente faz sentido irmos para outras regiões”, diz António Guedes. A bem dizer, nos planos da empresa não estão regiões inexploradas. Há anos que a Aveleda aposta no Douro, com a marca Charamba, ou com a aquisição do projecto Seis Quintas, em 2016. De resto, a empresa está desde 1998 na Bairrada, após a compra da Quinta da Aguieira. Mas, “nunca houve propriamente uma estratégia para irmos para outras regiões. As oportunidades apareciam e nós íamos avançando, apenas”, diz António Guedes.

Talvez por essa razão, as experiências fora dos vinhos Verdes não foram propriamente um sucesso. Na Bairrada, os Grande Follies mereceram várias vezes a atenção da imprensa nacional e internacional, mas, no essencial, “o projecto está em stand-by”, reconhece António Guedes. “O potencial da Aguieira é enorme. Um dia provámos um tinto de 1940 que estava excelente”, nota o gestor, mas a Bairrada “é uma região com notoriedade baixa”. Até porque se o terroir da propriedade é propício a castas como a Touriga Nacional ou a Cabernet Sauvignon, não é muito favorável à variedade emblemática da região: a Baga.

No Douro, a marca Charamba chegou a ser um sucesso monumental. “Em tempos chegámos a vender 1.1 milhões de caixas”, lembra António Guedes. Hoje, vendem-se umas 15 mil, 90% das quais no estrangeiro. “Por volta do ano 2000 tivemos dificuldades com o abastecimento”, explica o gestor. É por isso que a estratégia da empresa passa pela aquisição de terra no Douro – fontes do sector falam de negociações para a compra da Quinta do Vale de D. Maria, da família de Cristiano Van Zeller, mas quer proprietário, quer o suposto interessado na compra mantêm uma cortina de silêncio sobre esta questão. “O Douro tem crescido 15 a 16% ao ano e na exportação é a região portuguesa com mais ‘sex appeal’, o que resulta da sua notoriedade e garante bons preços médios”, diz António Guedes. Com a chancela do Douro e uma marca de prestígio, a Aveleda poderia então apostar a sério nos “vinhos de nicho”. “É difícil a uma grande empresa encontrar legitimidade do consumidor para fazer este tipo de vinhos”, nota António Guedes.  

Mantendo firme a aposta nos grandes volumes de marcas de combate como a Grinalda ou a Casal Garcia, o ambicioso plano dos primos Guedes conduzirá a Aveleda para uma dimensão completamente diferente da actual. No horizonte, há a ambição de criar marcas capazes de colocar, finalmente, a companhia no segmento dos grandes vinhos nacionais. Nos Verdes, mas também no Douro ou na Bairrada. E quando e se isso acontecer, a Aveleda deixará de ser apenas uma grande do Minho. Ocupará então um lugar ao lado das empresas multiregionais onde está a Bacalhoa, a João Portugal Ramos, a Global Wines ou a Sogrape de outro ramo da família Guedes.   

Área de vinha duplica em três anos

O plano estratégico que promete mudar a face da Aveleda dá atenção aos vinhos de topo mas tem como prioridade a base da produção: a vinha. “É na viticultura que temos de trabalhar com mais ambição e com maior velocidade”, diz António Guedes. Quando António Guedes deu a conhecer os planos de crescimento da área vitícola ao seu pai [António Guedes, representante da anterior geração da família na gestão da empresa] recebeu uma resposta desencorajante: o projecto era “irrealista”. Com uma área de vinhas de 160 hectares, a Aveleda pretende duplicar a área em três anos e chegar aos 650 hectares num prazo mais dilatado. A verdade é que comprar vinha numa região de minifúndio, na qual 20 mil produtores exploram 20 hectares de vinha, é uma tarefa inglória. Felizmente, diz António Guedes, “temos tido sorte na prospecção de terrenos”.

A prova é que à base de 160 hectares (20 na Bairrada), a empresa acrescentou 40 hectares nos dois últimos anos, este ano vai plantar 50 e no próximo ano avançará com uma nova plantação de 100 hectares em terrenos xistosos da zona do vale do Lima – o solar da casta Loureiro. Com uma área de 300 hectares em produção, a empresa continuará muito longe de suprir todas as necessidades de abastecimento.

Actualmente, a Aveleda produz apenas 15% das uvas que precisa para vinificar, adquire outros 20% a viticultores com quem assina contratos com prazos alargados e compra o resto a diferentes produtores. Quando atingir a meta dos 650 hectares, num futuro mais distante, a empresa será capaz de garantir metade das suas necessidades.
António Guedes diz que a viticultura e o controlo da produção são factores críticos para o sucesso da estratégia da empresa por duas razões fundamentais: primeiro, porque ter vinha própria é uma forma de garantir o abastecimento nos anos críticos – a produção na região dos Vinhos Verdes é extremamente variável; depois, porque o controlo da viticultura é uma garantia de produção de matérias-primas de qualidade superior. “As pequenas propriedades não são sustentáveis a prazo. A qualidade das suas produções é muito variável e é impossível de controlar”, diz o agrónomo e gestor da Aveleda. Com o investimento previsto, “seremos capazes de minimizar o stress de abastecimento e de melhorar a nossa qualidade global”.

Tendo em perspectiva estes dois objectivos, a Aveleda está a alterar radicalmente a lógica de plantação na região. O conhecimento da viticultura do passado ajuda. A contratação de um novo chefe de equipa para a viticultura, Pedro Barbosa, que veio da Quinta do Vale Meão, também. A primeira e principal mudança passa pelo aumento da densidade de videiras por hectare. “As plantações de média densidade, com 4000 plantas por hectare, já se faziam há 400 anos. Não inventámos nada”, diz António Guedes. No futuro, essa média passará para as 5000 videiras por hectare. Praticamente o dobro dos valores actuais.

Com estas mudanças, para lá de um aumento de produção, a equipa técnica da Aveleda obtém outras vantagens. Um avanço de dez dias na maturação das uvas, por exemplo, um factor crítico numa região onde as chuvas do final do Verão comprometem muitas vezes a vindima. Depois, se a densidade dificulta a concentração e trava o grau alcoólico, promove teores de acidez mais consistentes com a ambição da Aveleda. “Nunca vindimamos pelo grau; vindimamos pela acidez. Os nossos vinhos de qualidade superior têm todos essa marca”, diz António Guedes.  

Nem todas marcas da Aveleda se submetem a esta exigência. Na região há abundância de matéria-prima para os vinhos correntes. O problema é que, na actual conjuntura dos Vinhos Verdes, marcada por um fluxo de exportações que cresce desde 2004, é cada vez mais difícil encontrar massas vínicas para vinhos mais exigentes. Ora, é por aí que a empresa quer crescer. “Nos nossos estudos de mercado indicam que temos de ter sempre algum açúcar. Mas a qualidade é uma pirâmide, cuja base são os vinhos mais doces e mais fáceis e o topo vinhos mais exigentes e com mais acidez. E nós sabemos que, com a experiência e a idade, os apreciadores de vinho vão subindo na pirâmide”, diz António Guedes.

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