Fugas - Vinhos

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Os segredos mal guardados do Dão

Por Manuel Carvalho

Em Portugal, não deve haver nenhuma região onde seja possível encontrar grandes vinhos, com pedigree e anos de garrafa, a preços tão acessíveis como no Dão. Uma viagem por uma região cujo brilho ainda não impede que alguns produtores fiquem na penumbra. Até um dia.

O renascimento do Dão está em curso há uns 20 anos, mas entre os que avançam a grande velocidade e os que se arriscam a ficar pelo caminho há um enorme catálogo de oportunidades para quem gosta de vinhos fiéis à natureza da região, de boa qualidade e de preços altamente recomendáveis. Entre as grandes empresas com marcas que produzem milhões de garrafas e se encontram na generalidade das prateleiras dos supermercados dos principais destinos de exportação e os pequenos criadores de boutique que só se encontram nas garrafeiras mais sofisticadas, há famílias de produtores que continuam a resistir às pressões dos mercados e há adegas cooperativas que vale a pena redescobrir.

Numa pequena viagem pela região, fomos à procura desses segredos mal conhecidos e encontrámos a Quinta do Perdigão, a Cooperativa de Silgueiros, a Adega da Corga e a Cooperativa de Mangualde. Num mapa pulverizado por pequenos produtores é sem dúvida possível encontrar muitas outras propostas de grande nível, mas estes quatro exemplos são suficientes para garantir a tese: o Dão é hoje em dia a região do país onde é possível encontrar com mais facilidade uma relação entre a qualidade dos vinhos e os seus preços mais favorável. E só por desconhecimento, por preconceito e por falta de um trabalho de marketing que eleve a imagem global do Dão é que não há mais procura para os seus vinhos menos conhecidos. Ninguém tem culpa – há apenas que aproveitar as oportunidades.

No Dão, não falta biodiversidade de produtores. Muitos são de lá originários e projectaram-se à escala internacional, como Nuno Cancela de Abreu. Outros fizeram-se através da procura das diferenças que o terroir único da região propicia, como Álvaro de Castro. Em casos como o dos Caminhos Cruzados, houve empresários de sucesso originários do Dão que ganharam dinheiro em outros negócios e decidiram reinvestir uma parte no vinho. Há ainda estrangeiros como a brasileira Juliana Kelman ou o suíço Peter Eckert, da Quinta das Marias. Depois, há uma outra categoria de investimentos familiares que, sem disporem do mesmo brilho mediático, fazem parte dessa vaga de fundo que torna o Dão uma região em crescimento.

Veja-se o caso da Quinta do Perdigão. Uma pequena propriedade de oito hectares de vinha num vale suave no planalto de Silgueiros, uma das mais consagradas sub-regiões do Dão, é a base da criação de um Encruzado de grande classe e de vinhos tintos que ao conservarem um certo perfil mais tradicional os tornam muito apetecíveis para quem procura alternativas à amenidade dominante. A propriedade foi adquirida no final dos anos 90 do século passado por José Perdigão e é hoje conduzida pela sua filha, Mafalda, que se licenciou em enologia na Universidade de Trás-os-Montes, e por Vanessa Chrystie, mais vocacionada para a área do marketing.

Os vinhos da Quinta do Perdigão entraram já no radar da imprensa nacional e internacional, mas o seu perfil e a sua relação custo/qualidade está ainda num patamar muito tentador. Dali, para lá de um Encruzado de grande classe que custa nove euros e é produzido numa vinha alugada em Carregal do Sal (a quinta acaba de plantar um hectare com esta casta), sai ainda um Reserva e um leque de vinhos monovarietais feitos com Jaen, Alfrocheiro e, obviamente, Touriga Nacional distintos e originais. O que distingue a casa é a persistência em colocar os seus vinhos no mercado após anos de maturação na garrafa. Por exemplo, o Reserva que está agora á venda é da vindima de 2006 e, apesar da sua já muito razoável idade, custa 19 euros; o Alfrocheiro é de 2011; o Jaen de 2010; e o Touriga Nacional de 2009.

Para os consumidores cada vez mais sujeitos a uma certa tirania da fruta jovem, os vinhos dos Perdigão são como bálsamos. A sua garra tânica persiste após muitos anos, mas a garrafa concede-lhes o polimento para que se bebam com grande prazer. Mafalda, uma jovem que dá os seus primeiros passos na sua carreira, não tem dúvidas sobre a bondade da herança paterna: “Fui criada com este perfil de vinhos e é o perfil que eu gosto”, explica. De resto, é o tipo de vinhos que melhor exprime a natureza do Dão. “O que distingue o Dão autêntico é a aptidão dos vinhos para evoluírem com o tempo”. Nos tintos da casa, há sempre pelo menos quatro anos de estágio antes de saírem para o mercado. E, ainda assim, podem-se comprar por 10 euros (caso do Jaen) ou 12 euros (caso de um magnífico Alfrocheiro).

Depois, há produtores que estão ainda num estágio ainda mais incipiente de profissionalização ao nível do marketing e das vendas que nos proporcionam verdadeiros achados. Saímos de Silgueiros, atravessamos Viseu e viajamos até à margem direita do rio Dão onde, na freguesia de Pindos, município de Penalva do Castelo, se encontra à beira da estrada a Adega da Corga. Um edifício com uma certa dimensão, apetrechado com cubas de fermentação com temperatura controlada, um esmagador pneumático e outras condições tecnológicas para a produção de vinhos de qualidade. Rafael Barbosa, 25 anos, acaba de terminar os seus estudos de enologia também em Trás-os-Montes e é o membro da família que, com Miguel Oliveira, consultor da Vines e Wines (e, como veremos, enólogo da Cooperativa de Silgueiros), trata da produção da casa.

A Adega da Corga rege-se pela batuta do patriarca João Barbosa, 78 anos. Foi ele quem, depois de regressar de Moçambique, onde tinha uma casa comercial na zona de Nampula, investiu a sua fortuna na compra de vinhas na sua terra de origem. Hoje, os Barbosa dispõem de 25 hectares de vinhas. Numa das encostas voltadas para o rio, gerem 22 hectares de uma vinha belíssima, de solos graníticos, onde há videiras de Touriga Nacional com 40 anos. João Barbosa parece conhecer cada bardo, cada planta e se se assume como tradicionalista ao privilegiar as castas típicas do Dão, não deixa de fazer experiências com variedades internacionais, como a Syrah ou a Semillon.
Com este potencial, era difícil não fazer vinho bom. Principalmente quando de uma produção média situada entre os 150-180 mil litros são escolhidos 28 mil para se fazer o Grande Reserva Adega da Corga. E nem sempre. Quando o ano é mau, como aconteceu em 2014, não há vinhos com a marca principal da família. “Nós somos pequenos e queremos só a qualidade. São escolhas…”, diz Rafael Barbosa. Com a maioria do vinho produzido na adega a ser vendido para outras empresas ou cooperativas, o que sobra é mais do que suficiente para a procura do mercado.

A verdade é que, mesmo depois do fantástico Adega da Corga Grande Reserva de 2011 ter obtido 89.40 pontos no concurso da ViniPortugal de 2014 (o que lhe valeu uma medalha de ouro), os vinhos da família Barbosa, entre os quais se inclui um belíssimo branco feito com Encruzado (85%) e Malvasia (15%), permanecem num injusto esquecimento. Principalmente porque se podem comprar por preços que variam entre os oito euros (os Grande Reserva de 2012 e 2013) e 12 euros (o de 2010). Quanto ao vinho premiado, que continua a crescer na garrafa de ano para ano, custa 10 euros. Exacto: um vinho de grande classe por dez euros. Quanto ao branco, custa quatro euros por garrafa.

Mas, nem só nos pequenos e médios produtores, com um pouco mais ou um pouco menos de visibilidade, se preservam os segredos do Dão. Também os há nas Cooperativas. Entre os enólogos e os dirigentes das cooperativas do Dão há aliás uma pergunta que prova o poder do preconceito que persiste sobre estas unidades de produção: “Quanto é que este vinho custaria se não fosse de uma cooperativa?”. Claro que o sector cooperativo do Dão está a pagar ainda a pesada factura de outrora, do tempo em que abdicou da qualidade por troca pelos grandes volumes. A selecção natural produziu efeitos e hoje das dez cooperativas fundadas nos anos de 1960 mantêm actividade com vinhos engarrafados apenas quatro – Vila Nova de Tázem, Penalva do Castelo, Mangualde e Silgueiros.

Uma surpresa nas cooperativas

Vale a pena revisitar os vinhos das cooperativas do Dão. Não se esperem dali topos de gama, vinhos estratosféricos na complexidade, estagiados em barricas de madeira caras. As cooperativas continuam a ser unidades de grandes produções (Silgueiros produz entre cinco e seis milhões de litros por ano de uvas provenientes de 1500 associados), mas as suas equipas de enologia acompanham as maturações das vinhas, marcam datas de vindimas e controlam a transformação com índices de profissionalismo inimagináveis há apenas alguns anos atrás. Por isso os seus vinhos valem a pena. “O nosso propósito é fazer vinhos honestos”, diz Miguel Oliveira, enólogo de Silgueiros. “Nós conhecemos bem as vinhas dos nossos produtores, temos estruturas de custos muito baixos e por isso temos condições para fazer vinhos de qualidade a preços muito melhores”, sublinha António Mendes, enólogo e presidente da Cooperativa de Mangualde.

Pegue-se por exemplo nos exemplos dos brancos vinificados com a casta Encruzado destas cooperativas: revelam todos os atributos desta casta, são feitos com rigor, transcrevem as diferenças das duas sub-regiões (mais minerais em Mangualde, mais complexos em Silgueiros) e sugerem distintas interpretações de enologia, principalmente ao nível do uso da barrica. Nos tintos, comprar Touriga Nacional de 2014 com a classe de Silgueiros por quatro euros ou o Castelo de Azurara Reserva de 2012 de Mangualde por cinco euros é uma dádiva. E, quem quiser ousadias, também as pode procurar nas cooperativas do Dão. O Aragonez (Tinta Roriz) de 2014 de Mangualde, um tinto magnífico, original e capaz de agradar quer aos que emulam a fruta, quer aos que privilegiam a frescura e a acidez, pode ser comprado por cinco euros.

Com a venda de vinhos do Dão de gamas superiores a crescer há anos ininterruptamente (as vendas de vinhos com Denominação de Origem Protegida) estão a crescer 18% este ano, é muito provável que este universo de oportunidades de experimentar grandes vinhos por preços muito convidativos se altere. O Dão, que se atrasou na corrida liderada pelo Alentejo e depois pelo Douro, pode um dia regressar ao lugar que já foi seu algures entre o final do século XIX e os anos 60 do século XX: a região onde, como dizia o geógrafo Orlando Ribeiro, “provavelmente se produzem os melhores vinhos tintos de Portugal”. Até lá, é possível descobrir as suas faces menos expostas – mas nem por isso menos interessantes.

 

Oito propostas tentadoras

Quinta do Perdigão
Encruzado 2015

Preço: 9 euros
Pontuação: 90
Um branco que expressa as melhores características da casta e que confirma a Quinta do Perdigão como uma marca de referência dos Encruzado. Notas fumadas, fruta de polpa branca discreta, excelente volume e intensidade na boca, acaba longo com uma secura deliciosa e fresca. Um grande branco.

Quinta do Perdigão
Alfrocheiro 2011

Preço: 12 euros
Pontuação:91
Belíssimo aroma, com intensidade, elegância e subtileza (notas florais, fruta preta). Tanino imponente, ainda com uma ligeira marca vegetal, apesar da evolução, fruta potente na boca, uma imponente acidez e mineralidade no final. Um vinho belíssimo, muito gastronómico e ainda com enorme potencial de guarda.

Morgado de Silgueiros
Encruzado 2016

Preço: 4.50
Pontuação:89
O Encruzado da Cooperativa de Silgueiros foi uma belíssima surpresa e o 2016 segue-lhe as passadas. Notas de maçã verde e sugestões de verniz que impressionam pela definição. Na boca é um belíssimo, estruturado, cheio de fruta viva e deliciosa, grande volume, final cheio de classe. Na relação qualidade/preço, não há muitos brancos em Portugal que lhe façam frente.

Dom Dagane
Grande Reserva 2015

Preço: 7.5 euros
Pontuação:88
Um Dão tinto de Silgueiros com a marga da elegância da Touriga Nacional, que domina um lote onde entra também a Alfrocheiro. Notas de caruma no nariz, compondo um aroma de perfil muito clássico, tanino elegante, nota floral e de framboesa na boca, textura delicada e final com boa complexidade. É um vinho que na aparência sugere apenas delicadeza e finesse mas que na combinação com comida revela garra suficiente até para refeições mais pesadas de carne ou queijos.

Adega da Corga
Grande Reserva 2013

Preço: 8 euros
Pontuação:88
Aroma com notas de exotismo (figo, caruma, especiaria) são o prenúncio de um vinho com uma enorme complexidade, originalidade e pureza – as grandes marcas da Adega da Corga. A enologia mínima, a quase ausência de madeira (na fermentação faz-se apenas a junção de estilhas de carvalho francês) fazem deste vinho um primor. Na boca é opulento, raçudo e intenso até que se desdobra em sensações requintadas de fruta balanceadas com a marca da acidez final que lhe garante frescura e vocação gastronómica. Está para durar.

Adega da Corga
Grande Reserva 2011

Preço:10 euros
Pontuação:92
Este vinho foi ouro no concurso da ViniPortugal de 2014 e hoje está seguramente dois ou três pontos acima. É um grande vinho de um grande ano. Fruta madura, toques florais (violeta) da Touriga Nacional, estrutura poderosa que ainda impressiona a boca com alguma adstringência, pleno de fruta no palato e com uma notável harmonia, complexidade e longevidade no final de boca. Um vinho autêntico, a prova da classe dos grandes Dão. (nota: numa das provas a este vinho notou-se uma certa presença de sulfuroso no primeiro contacto, que entretanto se dissipou. Numa outra garrafa, como em todas as provas anteriores, não se deu conta desse problema).

Castelo de Azurara
Encruzado 2015

Preço: 5 euros
Pontuação: 88
Aroma mais exuberante do que é normal nesta casta razoavelmente comedida no nariz, notas tropicais (ananás) muito frescas e vivas. Um branco seivoso, intenso, versátil (com aptidão gastronómica mas com fruta e jovialidade recomendáveis para momentos conviviais), final longo e mineral. Se mantiver a genética da edição de 2011 (nada indica que não mantenha), vai ter um futuro brilhante: os Encruzados da Cooperativa de Mangualde de 2011, que vão ser lançados no mercado provavelmente no final do ano, estão numa fase absolutamente extraordinária.

Castelo de Azurara
Aragonês 2014

Preço: 5 euros
Pontuação: 89
No Dão são raras as apostas em vinhos estremes de Aragonês (ou Tinta Roriz, como esta casta é mais conhecida na região). Mas as uvas Aragonês de uma determinada vinha de um sócio da Cooperativa são tão distintivas que a equipa de enologia dirigida por Jaime Murça decidiu aproveitá-las para fazer este monocasta. Percebe-se: este tinto é muito original e interessante. Fruta vermelha (framboesa) intensa, muito sedoso e suculento, com uma bela frescura final que o salvam de ser cansativo. Vale a pena conhecer.

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