Fugas - Vinhos

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As duplas de castas que fazem os melhores brancos portugueses

Por Pedro Garcias

Alvarinho-Loureiro, Viosinho-Gouveio, Bical-Maria Gomes, Antão Vaz-Arinto e Encruzado-Malvasia Fina. Num país com tradição nos vinhos de lote, estas são as duplas de castas que estão na base dos melhores vinhos brancos portugueses.

Em qualquer enciclopédia ou tratado sobre vinhos há uma variedade de uva que tem sempre direito a um destaque especial: a Chardonnay. É, de entre as milhares de castas brancas que existem no mundo, a mais famosa e globalizada de todas. Sozinha, criou a enorme reputação dos vinhos brancos da  Borgonha, o mesmo que o Pinot Noir fez pelos tintos. Juntos, são a alma de Champanhe.

O nome Chardonnay é tão forte que não dispõe de qualquer sinónimo - algo só partilhado pela tinta Cabernet Sauvignon. Não sendo a única, talvez seja a variedade que, tanto na sua geografia tradicional como em outras latitudes, menos precisa de companhia para brilhar. Os seus vinhos estremes bastam por si só.

Em Portugal, salvaguardadas as devidas distâncias, só há uma casta com essa capacidade: a Alvarinho. Tal como aconteceu com a Chardonnay, o seu nome é hoje mais familiar do que a sua região de origem, Monção-Melgaço (Vinhos Verdes) e Galiza. Estendeu-se a todo o Minho e a outras regiões do país e até já começou a viajar pelo mundo. Os vinhos que produz são ricos e complexos,  dispensando o contributo de outras variedades.

Mas, na sua pátria, o Alvarinho tem uma casta “irmã”: a Loureiro. É a sua companhia preferida. As duas, formam o dueto de castas brancas mais famoso de Portugal e, depois de um certo divórcio, com a aposta em vinhos varietais, esta associação volta a estar em alta. Os brancos feitos com Alvarinho e Loureiro são o segmento que mais cresce nos Vinhos Verdes, impulsionado, sobretudo, pelos mercados daAlemanha e dos Estados Unidos.

Em Portugal, até nem há grande tradição de vinhos brancos bivarietais. O lote de várias castas continua a ser o modelo preferido da maioria dos produtores portugueses, tanto nos brancos como nos tintos, mas mais nos tintos. Nos brancos, a evolução tem seguido duas vias diferentes: o lote e os vinhos estremes. Porém, em bom rigor, uma boa parte dos vinhos brancos estremes que se comercializam em Portugal não é só de uma casta. Muitos deles, são de duas variedades, porque a legislação do sector permite juntar até 15% de um vinho de outra casta e rotular o vinho só com o nome da casta principal. Por isso, mesmo que não se encontrem nos rótulos muitos vinhos brancos de duas variedades, há duplas de castas bem implantadas no país e algumas são os verdadeiros pilares da identidade das respectivas regiões. É o caso das citadas Alvarinho e Loureiro, principais bandeiras dos Vinhos Verdes. Numa região com outras variedades interessantes, como a Avesso, a Pedernã (nome local para a casta Arinto) e a Azal, aquela dupla continua a originar os melhores vinhos e também os que melhor reflectem o carácter e a tipicidade do Minho.

Na Bairrada, esse papel é assumido pela  Bical e pela Maria Gomes (sinónimo de Fernão Pires). As duas estão na base dos melhores brancos e espumantes da região e têm resistido aos modismos do vinho. Por vezes, são  acompanhadas pela Cercial e, em menor escala, pela Sercialinho (nascida do cruzamento do Alvarinho com a Vital), ambas também com boa aptidão enológica.

Outra grande dupla de castas brancas tem raiz no Dão e é formada pela  Encruzado e pela Malvasia Fina. Em tempos, a Uva Cão também chegou a ser relevante no prestígio dos vinhos brancos do Dão. A longevidade dos lendários brancos do Centro de Estudos Vitivinícolas de Nelas está seguramente relacionada com a grande acidez natural desta variedade, que volta a ser cobiçada, tal como a Barcelo, uma variedade quase só confinada ao Dão. Mas a Encruzado foi e continua a ser a casta mais completa, pecando apenas (ou não, depende dos gostos) pela sua relativa neutralidade aromática. A junção da Malvasia Fina, casta muita floral, ajuda a suprir essa lacuna, o que explica o sucesso desta associação. Mas, à semelhança da Alvarinho, a Encruzado também caminha cada vez mais sozinha. Em contrapartida, a Malvasia Fina- bem como a Cerceal e a Bical - não vive sem a Encruzado. Sem ela, perde toda a graça e brilho.

No Alentejo, a Antão Vaz e a Roupeiro (corresponde à Síria da Beira e à Códega do Douro) são o tandem dos brancos. A segunda continua a ser a casta mais plantada; a primeira é a que faz os melhores vinhos, em especial no seu berço e terroir, a Vidigueira. Actualmente, andam um pouco divorciadas. A Antão Vaz é uma espécie de Viognier do Alentejo. Origina vinhos gordos, estruturados e com aromas tropicais muito apelativos, embora algo escassos de acidez. Acontece que a Roupeiro também padece do mesmo mal. A seu favor só tem mesmo o facto de ser muito produtiva. Como a frescura natural é um elemento crítico dos vinhos brancos, os produtores alentejanos têm preterido a Roupeiro em favor de castas com maior acidez natural. Uma delas é a Arinto, outras são a Alvarinho e a Gouveio (rotulada muitas vezes como Verdelho).

A Arinto é uma extraordinária casta adjuvante, pela sua belíssima acidez cítrica. Rainha em Bucelas, a sua popularidade estende-se hoje a todo o país, sendo apreciada especialmente nas regiões de clima quente, como o Douro, por exemplo, onde a acidez é mais crítica. Mesmo assim,  ainda está longe de ter nesta região a popularidade da Gouveio e da Viosinho, a dupla dominante. Ambas de bago pequenos (as uvas de bagos pequenos dão sempre os melhores vinhos), completam-se muito bem: a Viosinho dá madureza e a Gouveio contribui com vigor ácido.

Mas, são poucos os brancos do Douro feitos apenas com estas duas castas. Em regra, juntam mais variedades, na boa tradição do lote herdada do vinho do Porto. Juntam, por exemplo, Malvasia Fina, Códega do Larinho, Arinto e, cada vez mais, Rabigato, uma casta em alta, sobretudo no Douro Superior, onde já começa a ter vida própria. E há ainda a Moscatel do Douro, tradicional da zona de Favaios  e muito apreciada para apimentar brancos joviais e de volume e, mais recentemente, também para fazer vinhos secos estremes.

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