Fugas - Vinhos

  • Nelson Garrido
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Chegou a hora de um Alvarinho

Por Manuel Carvalho

O painel de provas de Fugas reuniu-se de novo para escolher entre um lote de dez brancos e a sua sentença foi inapelável: o Contacto, um Alvarinho com a assinatura de Anselmo Mendes, destacou-se. Notas de uma prova renhida e sintomática: os brancos nacionais continuam a crescer.

Há poucas experiências mais divertidas para quem gosta de vinho do que a partilha de uma prova cega com amigos. Mesmo que à mesa se junte um grupo de enófilos habituados a provar, a memorizar e a relacionar, mesmo que todos tenham anos de experiência, sobra sempre espaço, muito espaço para as surpresas. Não é estranho haver confusões entre aromas característicos de diferentes castas, é normal suspeitar-se que um vinho é de uma região quando, afinal, é de outra completamente diferente, é comum relacionar-se um determinado volume de boca com um produtor que nem sequer faz parte da lista de rótulos escolhida. A prova deste ano da FUGAS com vinhos brancos foi disso um exemplo acabado. Entre as muitas opiniões que se vieram a provar correctas, houve algumas sugestões que ficaram absolutamente fora da caixa.

Entre tudo, o que se acabaria por revelar como menos surpreendente acabou por ser o vinho que obteve mais votos do painel: um Alvarinho com a assinatura de Anselmo Mendes, o Contacto de 2016. O enólogo com base em Melgaço assinou um branco que obteve seis pontuações acima dos 90 pontos (no total, houve 16 apreciações individuais de cada um dos vinhos). Mas, prova de que está longe de ser um branco consensual, principalmente em resultado da sua enorme expressividade aromática, que ora atrai ora repele, também recebeu uma nota bem menos simpática: 79 pontos. Mas, pela primeira vez, um Alvarinho ganha o concurso de Brancos para o Verão da Fugas – no ano passado o vencedor foi o alentejano Cortes de Cima e em 2015 foi o surpreendente Valado Prima, feito com Moscatel Galego.

Prova em dois momentos

Em segundo lugar na prova ficou o Monte Cascas, do Douro, um vinho com 90% da casta Viosinho com um bom balanço aromático entre a fruta a madeira onde estagiou – é um vinho de 2014. O Douro conquistou ainda a terceira posição, com o Crasto de 2016, seguindo-se um Verde com a assinatura de Dirk Niepoort (o Dócil de 2015, feito apenas com a casta Loureiro) e o Casa de Mouraz da casta Encruzado, vindima de 2014. Os vinhos foram pontuados numa escala de zero a 100, em obediência à ficha de prova adoptada pela OIV (Organização Internacional da Vinha e do Vinho) – para quem estiver interessado em organizar provas, esta ficha pode facilmente encontrar-se na internet.

Como é tradição, a prova cega do Fugas desenvolve-se em dois capítulos. Num primeiro momento, o painel de provadores é convidado a pronunciar-se sobre os vinhos numa prova cega, digamos, convencional; depois, os mesmos vinhos são experimentados com comida. Para o leitor menos experimentado, esta operação pode parecer uma coisa do outro mundo. Não é. É muito fácil de realizar. Assim: os dez vinhos que foram provados sem comida foram embrulhados em papel de alumínio e receberam uma numeração de zero a dez; e os mesmos dez vinhos que seguiram para a mesa onde se serviu o almoço, receberam o mesmo embrulho, só que a ordem numérica foi alterada para impedir que os provadores fossem capazes de repetir as suas notas em cada um dos momentos da prova.

Desta vez, a experiência decorreu no “miocárdio do Douro”, a expressão com que o médico e escritor João de Araújo Correia designou o Pinhão. Uma sala da habitação privada da Quinta do Bonfim, com um retrato do fundador da empresa proprietária (a Symington Family Estates) a dominar o espaço, acolheu a prova e o almoço com sabores e temperos caseiros. No Bonfim nasceu no ano passado uma unidade de enoturismo que se tornou uma referência na região – foi visitada por 20 mil turistas, que para lá de poderem fazer provas à medida dos seus desejos, também ficam a conhecer um pouco da história da família que controla marcas emblemáticas do vinho do Porto como a Dow’s, a Warre ou a Graham’s.

Os vinhos foram escolhidos com base em três pressupostos: serem distribuídos no Brasil (esta prova faz parte do suplemento especial distribuído com o jornal Globo no âmbito do evento Vinhos de Portugal no Brasil); serem o mais representativos possível de todas as regiões do país; e situarem-se numa gama de preços algures entre os oito e os 12 euros. Como também é hábito, as escolhas foram feitas no El Corte Inglés de Vila Nova de Gaia, com a ajuda de Jesus Caridad e da sua equipa, que tentou introduzir na fórmula fixa da escolha a conjugação entre as marcas de vinho mais conhecidas e as que podem ser capazes de surpreender.

Desta vez, e ao contrário da última edição, o painel original da Fugas reuniu todos os seus elementos. A saber: Beatriz Machado, mestre em ciências da viticultura e enologia da Universidade da Califórnia e directora do serviço de vinhos do hotel The Yeatman, em Vila Nova de Gaia; Lígia Santos, uma engenheira que trabalha na área da gastronomia (foi a primeira vencedora do concurso masterchef em Portugal), gere um estabelecimento de turismo rural na zona dos Arcos de Valdevez (as Casas da Li) e tem um programa de gastronomia no Porto Canal, o jornalista da RTP Luís Costa, Joe Álvares Ribeiro, administrador do grupo de vinhos Symington, Ivone Ribeiro, dona de uma loja de vinhos em Matosinhos, a Garage Wines, Pedro Garcias e José Augusto Moreira, jornalistas do Público e o enólogo Álvaro van Zeller.

Uma bela média

Na comparação entre os resultados da primeira e a segunda fase da prova (sem comida e com comida), houve quatro vinhos que mantiveram uma votação similar – todos situados nos primeiros cinco lugares da classificação final. Mas houve, como é hábito, vinhos que revelaram especiais aptidões gastronómicas ou escassa vocação para enriquecer a comida. No primeiro caso vale a pena notar o desempenho do Flor de São José, um duriense de 2015, que obteve na hora do almoço mais 42 pontos. Ou ainda o Colecção Privada da José Maria da Fonseca, um Verdelho de 2014 (mais 33 pontos) e o Esporão Verdelho de 2015 (mais 29 pontos). Houve apenas dois vinhos que caíram de posição do primeiro para o segundo momento da prova: o Monte da Ravasqueira Reserva de 2015 (menos 20 pontos) e o Monte Cascas (menos 15 pontos).

No final, a média obtida pelos vinhos em prova situou-se em patamares muito aceitáveis. O painel de provadores congratulou-se ao reconhecer um novo fôlego dos vinhos brancos no caminho de um perfil mais seco, com a expressão aromática mais contida, com índices de acidez mais pronunciados e um volume alcoólico menor. A média do vinho vencedor atingiu 86.8 pontos, exactamente o mesmo valor do Cortes de Cima na edição do ano passado. Mas, ainda assim, este ano a luta foi mais renhida. O vinho menos votado, o Esporão Verdelho, obteve uns honrosos 79.3 pontos (no ano passado a média mais baixa ficou nos 75 pontos). Ainda assim e face aos pergaminhos da casa produtora, esta pontuação não deixou de suscitar uma discussão: a de saber se o Verdelho é uma casta com potencial para singrar no Alentejo.

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