Fugas - Vinhos

Manuel Roberto

Nat’Cool: devaneio ou jogada de mestre de Dirk Niepoort?

Por Pedro Garcias (crónica)

Nat’Cool é um selo que Dirk pretende criar para um novo tipo de vinho, mais natural, com pouco ou nenhum sulfuroso, de álcool baixo, preço acessível e, se possível, comercializado em garrafas de um litro.

O mundo do vinho é um verdadeiro turbilhão, um vórtice que leva tudo à frente, impulsionado por uma necessidade insana de surpreender, de ser diferente, de inventar algo novo para aumentar as vendas. Muda tudo tão rápido que ainda estamos a beber um copo de um tinto normal e já nos estão a querer vender um vinho azul, depois um amarelo, a seguir um feito em ânfora, depois um em cimento, outro sem sulfitos, outro com sulfitos mas sem nada mais de químico, com flor, produzido sem electricidade-e podíamos estender ainda mais a lista.

Há umas semanas, a notícia foi a “criação” de uma nova categoria de vinho, o Pinking, um branco com cor de rosado que a Adega Cooperativa de Figueira de Castelo Rodrigo acaba de lançar. Fazer um rosado que cheira e sabe a branco, aproveitando um defeito que pode surgir em certos vinhos brancos, uma tonalidade meio rosada conhecida por pinking, é uma bela ideia. Mas não vai passar disso: de uma bela ideia. Chamar-lhe “nova categoria de vinho”, como se as categorias de vinho pudessem ser criadas assim com um estalar dos dedos, ainda mais a partir de um defeito, é um manifesto exagero.

A última novidade é o Nat’Cool, uma “invenção” de Dirk Niepoort. Nat’Cool é um selo que Dirk pretende criar para um novo tipo de vinho, mais natural, com pouco ou nenhum sulfuroso, de álcool baixo, preço acessível e, se possível, comercializado em garrafas de um litro. Numa entrevista à revista on-trade inglesa Imbibe, Dirk Niepoort explica que a nova umbrela não se destina apenas a vinhos da Niepoort, está aberta também a enólogos e produtores que partilhem dos mesmos princípios. Raul Pérez, de Bierzo, Allain Graillot, de Crozes-Hermitage, Stéphane Ogier, de Côte-Rôtie, e os portugueses Luís Faísca (Dão), Pedro Marques (Lisboa), Luís Cândido (Douro) e Vítor Claro são alguns dos convidados de Dirk que já manifestaram interesse em passar a usar o selo Nat’Cool.

O primeiro vinho Nat’Cool de Dirk Niepoort será um branco dos Vinhos Verdes de 2015 chamado White Mug. Sem sulfuroso, terminou a fermentação em garrafa, pelo que será uma espécie de espumante. O segundo é um tinto de Baga, da Bairrada, anunciado por Dirk como o exemplo de “um vinho leve, sexy, fresco e vibrante” do terroir bairradino.

O branco corresponde a um estilo gasoso muito popular na região minhota, mas já não se pode dizer o mesmo do Nat’Cool da Bairrada. Os mais puristas da região, os defensores dos Bairrada clássicos, já devem estar a pedir o inferno para Dirk.

Na comunidade dos vinhos mais orgânicos e de vigneron, a notícia do Nat’Cool também foi recebida quase como uma afronta, uma “jogada de puro marketing” para “surfar” a onda dos vinhos naturais e aproveitar o vazio regulamentar que existe em torno destes vinhos. Dirk Niepoort deve estar a rir-se. Ainda não colocou nenhum vinho Nat’Cool à venda e já lhe estão a vender o vinho todo.

Com Dirk nunca há águas paradas. Qualquer vinho que faça dá sempre que falar, por boas ou más razões — mas mais por boas razões. É um revolucionário e um visionário. Poucos fizeram tanto pelos vinhos portugueses, em especial pelos da região do Douro, como ele. Conhece tudo o que se produz no mundo, tem na garrafeira de tudo o que se produz no mundo e deve ser a pessoa mais generosa a abrir garrafas de vinho. Uma prova ou uma refeição com Dirk Niepoort é sempre um momento surpreendente e inesquecível, pela quantidade e diversidade de vinhos que serve.

Há quem o ache extravagante e até um pouco louco. Mas enganam-se. Dirk é mais racional do que aparenta. É um verdadeiro marketeer. Não faz vinhos por fazer, nem lança novos projectos apenas para combater o tédio. O Nat’Cool é mais uma ideia similiar à dos “Projectos Niepoort”, que começou por ser uma espécie de incubadora de pequenos produtores, de vinhos de garagem e de autor, e é hoje uma distribuidora online de vinhos de todos os cantos do mundo. Os seus devaneios são sempre investimentos. Por trás de cada iniciativa que toma, por mais genuína que seja, há sempre a expectativa de um ganho, comercial ou apenas de notoriedade. Dirk tem pouco de Madre Teresa de Calcutá. Está no negócio do vinho para se divertir mas, acima, de tudo, para ganhar dinheiro. Quem o pode criticar por isso?

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