Fugas - Vinhos

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Vinhos diferentes e à procura de identidade na margem do Guadiana

Por José Augusto Moreira

Faltam as grandes amplitudes térmicas, mas a orografia, os terrenos xistosos e a presença do rio remetem para o imaginário duriense. As vinhas são ainda quase experimentais, mas a frescura natural promete vinhos interessantes e equilibrados.

Tem exposição a temperaturas elevadas, solos pobres em encostas xistosas e o rio a delimitar a propriedade. Faltam as grandes amplitudes térmicas que também caracterizam o Douro, mas aquelas condições naturais logo diferenciam esta zona do Guadiana, junto a Mértola, de todo o resto da vinha do Alentejo.

É por aqui que surgem os Discórdia, na bela e enorme Herdade Vale de Évora, cujos 550 hectares são delimitados a oeste pelas margens do Guadiana, logo a seguir ao Pulo do Lobo. Discórdia não pelos vinhos, ou sequer pelas condições de cultivo que divergem do Alentejo tradicional, mas antes por um interessante acaso que está na origem da escolha dos rótulos.

A discórdia surgiu quando os proprietários se viram impedidos de utilizar a designação Évora — do nome da herdade — nos rótulos dos vinhos que se preparavam para começar a engarrafar. Uma discórdia que gerou acesa discussão e que acabou, afinal, por fornecer o nome de baptismo para os vinhos da propriedade.

Com Discórdia se avançou, então, em 2013, engarrafando os primeiros dois vinhos da herdade. É certo que já no ano anterior (2012) tinha havido vindima, mas o objectivo era apenas o de experimentar o resultado da fruta criada nas videiras plantadas apenas três anos antes. Nada mau para princípio, de tal forma que algumas garrafas dessa colheita de estreia ainda são hoje zelosamente guardadas para momentos especiais.

Paulo Alho gosta de explicar com pormenor, ao mesmo tempo que procura racionalizar as sensações que lhe transmitem as quatro colheitas que já fez. Quer perceber a evolução, como se comportam as castas e evoluem os vinhos à medida que desfia memórias do cultivo e vindima nesses anos. Não tem, para já, grandes conclusões, mas está convicto que podem sair dali vinhos monovarietais bem interessantes.

Paulo Alho foi quem avançou para a compra da herdade, em 2007, e partilha desde o ano passado a propriedade com Vítor Pereira, ambos com actividade na área da construção civil, sobretudo associados a Angola. Junta-os também uma longa amizade solidificada nas jornadas de caça, que estão na base da compra da Herdade de Évora

Os 10 hectares de vinha plantados em 2009 são uma pequena parcela naquela área, que é couto de caça turística e preserva condições naturais únicas, com terrenos que incluem elevações acentuadas, encostas de ondulação generosas e áreas de aluvião coladas à margem direita do Guadiana.

Na imensidão da propriedade, a verdejante dezena de hectares de vinha não passa de um pequena parcela. Foram plantados com a orientação de Francisco Mata, da Associação Técnica dos Viticultores do Alentejo, em talhões de quatro castas tintas (Touriga Franca, Touriga Nacional, Alicante Bouschet e Syrah) e três brancas (Arinto, Verdelho e Antão Vaz).

A vinha está rodeada de áreas de reflorestação com medronheiros, azinheiras e pinheiro manso. Fruto das preocupações com a caça, as condições de povoamento animal e a preservação das condições naturais são uma preocupação maior, pelo que falar em cultivo biológico é quase uma redundância.

A enologia está a cargo de Diogo Lopes, que procura o mínimo de intervenção para que o vinho expresse as condições do terroir. Na região com uma das mais elevadas temperatura do país, a regra impõe-se em momentos cruciais, mas o objectivo é que a vinha se esforce pela sobrevivência. A diferença em relação ao Alentejo tradicional é a marca mais saliente dos vinhos de Mértola.

Com baixas produtividades (abaixo das 4,5 toneladas de uva por hectare), as notas de frescura e o equilíbrio de componentes caracterizam o perfil dos vinhos, por vezes até com alguma aresta que ajuda a marcar distâncias com o resto do Alentejo.  A afinação e a busca de maior conhecimento sobre o comportamento das castas e composição de lotes é ainda uma preocupação constante, mas os indicadores de mercado são bem positivos. Incluindo a surpresa de um prémio numa prova internacional.

É claro que tudo isto vale o que vale, mas a medalha de ouro trazida de volta este ano do International Wine Challenge pelo branco de 2014, logo na sua primeira presença em concursos, não deixa de ser animadora. Um ambiente que faz crescer as expectativas em relação ao primeiro grande reserva tinto. É da colheita de 2013 e aguarda já em garrafa o momento de saltar para as prateleiras, depois de dois anos de estágio em barricas de carvalho.

Para já, estão apenas no mercado um branco e um tinto, das colheitas de 2015 e 2014, respectivamente.

 

Discórdia Tinto 2014
Regional Alentejano
Graduação: 14,5% vol
Preço: 6,50€

Aroma com notas florais e de frutos silvestres. Sensações frescas de fruta vermelha na prova de boca, que evoluem para notas de especiaria. Final de média intensidade com taninos redondos e adocicados.

 

Discórdia Branco 2015
Regional Alentejano
Graduação: 13,4% vol.
Preço: 6,50€

Aroma de frutos maduros com sensações frescas de maçã e ameixa à mistura. Boca fresca, algo cítrica e envolvente, com algum volume e gordura, e final seco e intenso com laivos de alguma salinidade.

 

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