Fugas - Vinhos

Adriano Miranda

A mentira tem sempre perna curta

Por Pedro Garcias

Ljubomir Stanisic, o chefe que se tornou numa figura pública com o programa televisivo Pesadelo na Cozinha, disse ao Expresso que já pinou com meia Lisboa (o termo verbal foi utilizado pelo próprio). Não sei quem deverá estar mais preocupado: se a mulher legítima, se metade dos homens de Lisboa ou se o próprio Ljubomir, a quem um dia destes já ninguém levará a sério - e é uma pena, porque dizem que é um grandíssimo chefe.

Anda tudo a ficar louco ou a querer parecer louco, que isso de ter uma imagem de tipo marado, rebelde e insubmisso ajuda a “vender”. Luís Pato, por exemplo, um dos grandes criadores de vinhos portugueses, trabalhador incansável, parece estar a viver a síndrome da eterna juventude. A cada ano que passa, inventa mais um vinho, mais uma imagem subversiva, deita a língua de fora, recria um qualquer “pato rebelde”, não pára. Que mal há em ser assim, inconformado, insurgente, provocador? Nenhum. Até tem a sua piada. Mas, até pelo seu longo percurso e pela qualidade dos seus vinhos clássicos, talvez Luís Pato não precisasse de ser tão criativo.

Dirk Niepoort é outro que tal, sempre com o seu colete e sempre a fazer o que lha dá na real gana. Hoje, não podemos dizer que há vinhos Niepoort. Devemos dizer que os vinhos da Niepoort são “vinhos à Dirk”. Uns adoram, outros nem por isso e outros detestam. Mas ninguém lhe fica indiferente. É uma figura.

João Portugal Ramos, o produtor alentejano, também é uma personalidade um pouco fora do mainstream. Não pela sua costela de aristocrata, mas porque não é homem de se reprimir na hora de dizer o que pensa. Recentemente, numa entrevista à Visão, afirmou: “Sei bem como se podem mandar amostras para concursos. Às vezes, o que lá está dentro não é exactamente igual ao que vai para o mercado”. Na sua opinião, e em resumo, os concursos são uma “farsa”.

Do que fala João Portugal Ramos? De uma gigantesca e repetida aldrabice? Diz o que diz porque também o faz ou já fez? Seja pelo que for, tem alguma razão. A maioria dos concursos são uma farsa e a exploração e divulgação jornalística dos prémios uma farsa ainda maior. É de arrepiar os cabelos quando se houve uma televisão ou um jornal anunciar que “o melhor vinho branco do mundo” ou o “melhor vinho tinto do mundo”, ou “o melhor rosé do mundo”, ou “o melhor moscatel do mundo” é português, só porque um determinado vinho português foi considerado o melhor de um determinado concurso.

Já agora: os melhores vinhos nunca são enviados para concursos, sejam nacionais ou internacionais, e os resultados correspondem sempre à avaliação de um pequeno grupo de provadores. Portanto, estes prémios valem o que valem. Normalmente, são importantes para os vinhos de menor qualidade e de baixo preço.

Sempre se mentiu muito nos vinhos. As mentiras sobre as castas usadas, a idade das vinhas, os produtos químicos aplicados, a qualidade da barrica, os métodos de vinificação usados, etc, são recorrentes e até alvo de piada. Por isso, certamente que haverá quem mande amostras para concursos que não correspondem aos vinhos que vão para o mercado. É uma aldrabice muito fácil de fazer e dificilmente o aldrabão é apanhado. Entre tantos premiados, quem se vai dar ao trabalho de comparar as amostras com garrafas do mesmo vinho existentes no mercado? E também é possível que haja quem mande amostras falsas para críticos ou revistas da especialidade, embora, neste caso, a possibilidade de o infractor ser descoberto é maior.

No caso dos críticos e das revistas, era fácil acabar com a fraude. Bastava não aceitar amostras e provar apenas o que está no mercado, pagando as garrafas ou imputando esse custo ao produtor. Comprar as garrafas é uma utopia. Nenhuma revista ou jornal, pelo menos por cá, tem dinheiro para fazer isso. Já imputar esse custo ao produtor, seria mais fácil. Em vez de enviar a garrafa ao crítico, o produtor repunha a garrafa na garrafeira ou na grande superfície onde o crítico a levantasse. Mas a logística e o controlo administrativo e financeiro que este modelo implicaria também o torna inviável.

Sendo assim, o melhor é acreditarmos que as aldrabices de que fala João Portugal Ramos são a árvore e não a floresta (eu, pelo menos, acredito) e que a desonestidade no negócio do vinho não é maior do que em qualquer outro ramo de actividade. De resto, a mentira tem sempre perna curta e, mais cedo ou mais tarde, os consumidores – os verdadeiros juízes – sabem sempre reconhecer e compensar quem trabalha de forma séria.

 

Nota: Na última crónica, “A história atribulada da Touriga Nacional e outras castas”, escrevi que “o que salvou a Touriga Nacional e a fez voltar a ganhar protagonismo foi o notável trabalho de estudo e selecção de castas para a produção de vinho do Porto desenvolvido por José António Rosas e o seu sobrinho João Nicolau de Almeida no Douro, na segunda metade da década de 70 do século passado”. Este sentença pode ser injusta para algumas pessoas. É verdade que aquele trabalho, de cariz mais enológico, foi o clique que fez a vitivinicultura portuguesa despertar para a Touriga Nacional, mas a sua difusão só foi possível graças ao igualmente notável trabalho de seleccção e de reprodução da casta desenvolvido por Nuno Magalhães e Antero Martins, entre outros especialistas.

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