Há sempre uma atmosfera especial quando um novo modelo sai para a luz do dia. Se o modelo em questão se assume como topo de gama, aí a expectativa fica ainda maior. Muitas vezes, o grande desafio dos construtores é não defraudarem as ilusões do mercado. Para a Peugeot, este problema estava um pouco esbatido, porque o 407 nunca foi um carro brilhante e o 607 pareceu sempre algo esotérico. Mas o construtor francês não facilitou: este é um dos grandes carros lançados nos últimos tempos.
A Peugeot jogou forte. Para começar, apresenta as versões berlina e carrinha ao mesmo tempo, atacando o mercado com todas as armas de que podia dispor. Também no preço: mesmo não considerando as ofertas de lançamento (que são de calibre...), o 508 surge em Portugal com preços quase inacreditáveis. A concorrência que se cuide. Quem está mais perto ainda é a Opel, mas o Insígnia correspondente custa mais 1300 euros. É, aliás, o único que se aproxima.
A partir daqui, as diferenças são abissais. Para comprar um VW Passat são mais 4150 euros; um Audi A4 sobe a diferença para os 4500; são precisos mais 6500 para chegar ao Citroën C5; o Renault Laguna avança rumo aos 7250; o Volvo S60 "puxa" a fasquia até aos 8450 euros...
Parece bom de mais para ser verdade e a primeira reacção é desconfiar do que se esconde por trás do preço. Olhemos então para o carro e sentemo-nos ao volante, para perceber se há concessões ao nível da qualidade que justifiquem estes preços. A missão inicial é fácil: apesar de uma frente que não entusiasma por aí além, o 508 é um carro muito bonito, com uma silhueta elegante e fluida. E uma traseira verdadeiramente espectacular.
Lá dentro, os materiais são bons, a montagem não tem falhas óbvias, há bastante espaço e nota positiva para a ergonomia, se exceptuarmos alguns pormenores, como a dificuldade para encaixar o trinco dos cintos de segurança à frente. No capítulo da instrumentação, referência negativa para a excessiva proliferação de comandos nas versões mais equipadas (como era o caso da viatura de teste), o que, inclusive, rouba espaços para arrumos.
Mais uma vez, o desempenho tristonho do antecessor 407 funciona a favor do 508 no que respeita ao espaço interior. Não é avassalador, mas mostra-se francamente interessante atrás (não tanto à frente), com espaço para as pernas e em largura, e existe uma bagageira muito boa, que seria imbatível se a Peugeot tivesse optado por um pneu suplente de emergência ou um "kit" anti-furos. Não o fez, e ainda bem.
Será na mecânica? - interrogamo-nos, ainda convencidos de que a bela tem de ter um senão. Mas o que encontramos é um motor muito competente e poupado - parece notar-se algum "estrangulamento" a baixa rotação, o que pode ser um truque para baixar os consumos. Se não é, parece: as recuperações são muito boas em sexta e fracas em terceira.
A direcção é excelente, pesada q.b. e muito comunicativa. Os travões não dão parte de fracos. O comportamento é interessante, sem que isso prejudique o conforto. Aliás, este é um carro muito confortável, o que eleva a suspensão à categoria das melhores que por aí andam. O ponto menos conseguido é mesmo a caixa de velocidades, que até está bem escalonada e se mostra de trato suave, mas não é particularmente rápida e, por ser muito compacta, conduz com alguma frequência a erros de manuseamento (como reduzir de sexta para terceira).
Se não é nos materiais nem na mecânica, será no equipamento que a Peugeot fez economias? Mais uma vez, a resposta é: não. O 508 oferece tudo o que se espera e, nesta fase de lançamento, nem sequer é preciso pagar à parte extras como o sistema de navegação (que não impressionou por aí além, saliente-se) com ecrã de sete polegadas ou as jantes em liga leve de 18 polegadas.
É claro que não há carros perfeitos e, para lá das chatices ocasionais com a caixa de velocidades, também não vamos gostar da manobrabilidade (o raio de viragem é de 6,15m, um valor bastante fraco), apanharemos uma ou outra irritação com a teimosia das portas em não se segurarem em posições intermédias (o que é assassino nos modernos parques de estacionamento) e teremos de nos habituar aos problemas de visibilidade causados pela inclinação dos pilares dianteiros e pelo volume da bagageira (uma opção em falta é a câmara de estacionamento).
Mas se abrir as portas é uma chatice, vamos fechá-las. E escutar. O som cavo é um claro indicador de qualidade de construção. Estamos novamente cá fora e só há uma conclusão possível: a Peugeot alcançou o milagre dos três "B". Fez um carro bom, bonito e barato. Notável.
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Peugeot 508 2.0 HDi Allure: O milagre de ser bom, bonito e barato