Fugas - motores

Rui Gaudêncio

Muito mais carro do que parece

Por Luís Francisco

A tendência é imparável: os pequenos citadinos estão a ganhar consistência e já não se contentam com o estatuto de "giro". Mas, mesmo neste cenário global, foi com surpresa que Luís Francisco tomou contacto com a nova geração do Kia Picanto. Este é um carro que vale muito mais do que o seu tamanho.

Tem de haver um ponto fraco, mesmo daqueles comprometedores... Conciliar qualidade e economia é um exercício complexo e arriscado, para mais na indústria automóvel, onde a concorrência é feroz e o público costuma estar bem informado. Por isso, há que procurar bem, espreitar por todo o lado e mexer em todos os comandos. O novo Kia Picanto tem bom aspecto, é barato e defende-se bem nos argumentos dinâmicos. Então onde está a falha? Só se...

Sim, claro! É inaceitável! Um carro sem tampa superior na bagageira?! Mas o que é isto? Que raio de poupança foi esta?! Então uma pessoa compra um carrinho à maneira e depois não pode deixar nada na bagageira sem ficar a coberto de olhares curiosos? Não pode ser! Aliás, não pode mesmo ser. Uma peça como essa não altera o custo do carro... Tem de haver uma explicação. E há, explica o importador: as tampas das bagageiras "perderam o barco" e não chegaram a tempo de serem montadas nas viaturas de teste. Mas existem.

E pronto, ficamos na mesma. Estamos perante um pequeno carro que abre novas fronteiras neste segmento, com algumas novidades ao nível do equipamento e uma conjugação de virtudes que lhe augura muitas alegrias no mercado. O novo Picanto é espaçoso no interior, tem um desenho bastante "maduro", comporta-se com dignidade no asfalto e não pesa muito na bolsa. Ainda por cima, vem com a já tradicional garantia da Kia: sete anos.

Quer isto dizer que estamos perante um fenómeno? Conseguiram os sul-coreanos o milagre de fazer um carro muito bom e muito barato? Convém acalmar os ânimos. Tal como não vamos almoçar a uma tasca esperando encontrar guardanapos de pano, também aqui será de bom tom adequar as expectativas. Este é um carro muito interessante para o seu segmento, mas, naturalmente, tem limitações.

Comecemos pelo essencial: o motor 1.0 de 69cv (há outra versão 1.0 GPL, de 82cv, e uma 1.2, com 85cv) mostra-se bastante mais suave do que aquilo que estamos habituados a encontrar em unidades de três cilindros, tem alguma genica e não é ruidoso. Mas uma coisa é constatar o seu atrevimento nas acelerações, outra é sentir na pele a dificuldade nas recuperações ou na superação de declives. E, pior, quando exageramos os consumos tornam-se muito aborrecidos...

Dinamicamente, este é um carro que parece querer puxar um bocadinho pelo condutor, com uma capacidade interessante para dar boas indicações em curva sem se tornar incomodativo para os passageiros. Mas, e eis um "mas" bastante importante, a tendência para a direcção se tornar demasiado leve em recta obriga a estar constantemente alerta para desvios de trajectória.

A caixa não é um portento de suavidade, mostrando-se no entanto bem escalonada (única nota dissonante: com o ar condicionado ligado, fica um buraco entre a primeira e a segunda). Os travões são regulares, ainda que os saltinhos do ABS não sejam muito reconfortantes. E podíamos continuar por aí fora, mas o tasqueiro já está a olhar para nós com ar desconfiado...

Claramente vocacionado para os espaços urbanos e as pequenas deslocações quotidianas, o Picanto não desdenha uma ou outra saída mais ambiciosa, contando para isso com uma bagageira interessante e um espaço interior que chega a ser surpreendente nos bancos traseiros. Não em largura, esclareça-se já. Os materiais estão acima do expectável num carro deste preço e a montagem e os acabamentos não cederam a quaisquer facilidades. Uma excepção, no entanto: as coberturas do volante na viatura ensaiada tinham pontas soltas.

No momento de pedir a conta, e após uma refeição mais do que honesta, vêm as melhores notícias. A gama começa nos 9240 euros e, entre a concorrência, só os Nissan Pixo

Suzuki Alto e os Dacia Sandero e Renault Twingo conseguem um melhor preço de arranque. A viatura ensaiada, a mais equipada da motorização de base, custa 11.940 euros. E isso inclui ABS, seis airbags, faróis de nevoeiro dianteiros, ar condicionado manual, comandos áudio no volante, ligação USB e Ipod, Bluetooth mãos livres, sensores de luz, jantes de liga leve, luzes LED, retrovisores eléctricos e retrácteis. E etc. É de ficar de barriga cheia.

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