Fugas - vinhos

Dois emblemas nacionais e um intruso

Por Manuel Carvalho

Na agenda estava referida a apresentação de novos vinhos da Heritage Wines, mas a sessão acabou em algo mais interessante do que o simples elenco de novidades.

Em cena dois gigantes do Douro e do Alentejo, a Quinta do Crasto e a Herdade do Mouchão, um produtor espanhol topo de gama, a Bodegas Roda, e para culminar a sessão vintage single quinta da Taylor's e da Fonseca de 2001. É muito difícil pôr frente a frente vinhos que variam na escala dos preços entre sete e 198 euros por garrafa, mas na comparação entre estilos, personalidades e características dos produtores foi possível tirar lições e chegar a consensos mínimos.

A prova começou com a Quinta do Crasto, que mantém o seu perfil para os seus Colheitas tinto ou para o seu excelente Vinhas Velhas, mas apresentou aquele que é talvez o seu melhor branco, com data de 2010, e um Crasto Superior (proveniente da nova quinta da empresa, no Douro Superior), muito mais convincente do que o da anterior edição. Em termos globais, a enologia do Crasto atingiu já um nível de identidade admirável. Os seus vinhos revelam sempre uma enorme preocupação com a frescura, mas não a obtêm com sacrifício do músculo ou do carácter duriense da sua fruta. Se o Colheita é um vinho que sustenta a sua sedução na vivacidade e no potencial das frutas (nesta fase com uma presença naturalmente excessiva), o Vinhas Velhas mantém um perfil mais clássico, no qual as notas de frutas silvestres e de bagos vermelhos se envolvem numa arquitectura de taninos que tornam o seu consumo um grande prazer.

Este é sem dúvida um grande tinto.

Outra faceta do Crasto é a sua capacidade de produzir vinhos de bom nível em grandes quantidades.

Foram vinificadas 413 mil garrafas de Crasto Colheita, com preço de venda de cerca de 10 euros, 85 mil de Crasto Superior, que custará à volta de 15 euros, e 105 mil de Vinhas Velhas de 2008 (além de magnuns e double magnus, esta versão deu origem ainda a 8100 meias-garrafas), com um preço em torno dos 28 euros.

De seguida, o peso-pesado Herdade do Mouchão. À entrada da gama, com os D. Rafael, com preços em torno dos sete euros, mostraram todo o potencial de atracção dos alentejanos jovens e vigorosos, com boa fruta e uma enorme preocupação em conservar um perfil sóbrio. Pelo preço valem bem a pena, principalmente o branco, que evidencia um aroma cheio de personalidade e carece apenas de um pouco mais de profundidade e de final de boca para se elevar a uma classe superior. No Ponte das Canas de 2008, nota-se o contributo da Syrah no lote, conferindo-lhe subtileza e amplitude. Finalmente, o Mouchão propriamente dito - o que chega agora ao mercado é da vindima de 2006. Um caso sério, com aromas finos e cheios de subtileza, que se desdobram na prova e a transformam num exercício de descoberta permanente. Um tinto de classe pura, refinado, cheio de personalidade e vida.

Do lado espanhol, a Bodegas Roda apresentou o Corimbo de 2009, da Ribera del Duero, o Roda 2006, o Roda I Reserva de 2004 e o seu topo de gama, Cirsion, de 2007, todos da Rioja. A Roda é uma espécie de emblema da casta tempranillo, que integra a 100 por cento o Reserva e o Cirsion e a 97 por cento o seu vinho de combate.

Por outro lado, a sua vocação produtora tem por base vinhas velhas, com 30 anos ou mais, o que confere um perfil aos seus vinhos absolutamente distinto e superior.

O Corimbo, que custará em Portugal 28 euros, não convenceu.

O Roda (31 euros), com uma produção de 182 mil garrafas, revela já todo o potencial dos grandes Rioja, com boa fruta, enorme amplitude aromática e gustativa.

Mas é no Roda 1 e especialmente no Cirsion que toda esta riqueza se revela. Com o mesmo DNA, ambos revelam uma enorme complexidade, com aromas de frutos silvestres a combinaremse em harmonia com café, tosta e vagas sensações de couro, integrandose naquela categoria de vinhos que proporcionam experiências sensoriais únicas. Em Portugal, haverá um ou dois vinhos com a dimensão do Cirsion - custa quase 200 euros por garrafa.

A prova acabou com Vintage de 2001, um ano não-clássico mas que, dez anos depois, reconfirma a ideia de que a relação preço-qualidade dos single quinta torna esta categoria muito interessante. O Fonseca Panascal é entre os três vinhos provados o que menos tem para legar à posteridade. Os seus taninos estão vivos e chegou já àquela relação entre a herança da fruta e a maisvalia da garrafa que justifica a grandeza dos vintage.

Mas, em comparação com o Taylor's Vargellas ou com o Fonseca Guimaraens, mostra que já não dispõe do mesmo fulgor.

Pelo contrário, estas duas marcas estão em grande forma e, principalmente o Fonseca, mostram aptidão para evoluir durante muitos mais anos. Com preços que oscilam entre os 39 e os 52 euros, servem uma vez mais para se constatar que, numa simples relação de prazer-preço, os vintage são vinhos baratos quando comparados com os tintos de gama superior.

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