Fugas - vinhos

Alejandro Pagni/AFP

Os segredos do sucesso dos vinhos argentinos

Por Rui Falcão

O que explica o sucesso estrondoso dos vinhos argentinos no mundo? Segurança, fiabilidade, consistência, preços sensatos, qualidade e uma identidade própria a que a casta Malbec não é alheia.

Nunca como hoje a Argentina esteve tanto na moda, transformada em ritual de peregrinação no roteiro de oratória de jornalistas, economistas e politólogos, apresentada como caso académico e modelo de estudo de referência para os difíceis tempos económicos que enfrentamos. Nunca como hoje a Argentina foi tão solicitada nos mais variados palcos económicos e políticos do mundo, seguida com atenção por uma plateia ansiosa por descobrir como este país austral conseguiu combater, sobreviver e contornar a falência económica a que foi condenado em finais da década de noventa.

Sem ajudas externas, sem esperança e em recessão profunda depois de longos meses de garrote financeiro dos principais credores internacionais, a Argentina viu-se forçada a interromper o pagamento dos juros da dívida, a reescalonar e reestruturar a dívida, forçando o FMI a abandonar o país à sua sorte após a impossibilidade declarada de continuar a pagar dívidas, deixando o país num estado calamitoso de falência técnica nacional, sem dinheiro e sem acesso a qualquer crédito bancário. Por isso, por ter sofrido tal sorte, mas sobretudo por entretanto ter conseguido dar a volta por cima, com taxas anuais de crescimento a rondar os 8% a 9%, mesmo nestes tempos de crise, a Argentina é hoje convidada de honra nos principais foros internacionais, desejosos de conhecer e reproduzir o "milagre" argentino.

Foram vários os "milagres" argentinos, à mistura com muito sofrimento, penúrias várias e alguma dose de ventura. Entre os mais relevantes conta-se o contributo do sector primário, da agricultura argentina, sobretudo dos cereais e da carne, indústrias altamente competitivas e exportadoras de bens que se valorizaram exponencialmente graças ao súbito acréscimo de procura de bens alimentares por parte dos diversos países emergentes, com a China à cabeça, como de costume.

Mas não foram apenas as indústrias da carne e cereais a devolver o brilho à economia argentina, amparada igualmente pelo sucesso abissal dos vinhos argentinos. De uma indústria pobre e sem grandes qualificativos, competente para abastecer um mercado interno simples e sem grandes exigências qualitativas, os produtores argentinos souberam alterar práticas e contornar obstáculos, devolvendo uma imagem de sucesso e sustentabilidade aos novos vinhos da Argentina.

Hoje os vinhos argentinos estão presentes no imaginário do mundo, ocupando espaço nas prateleiras de supermercados e garrafeiras dos quatro cantos do planeta, presentes nas listas dos grandes e pequenos restaurantes internacionais, de Berlim a Nova Iorque, do Rio de Janeiro a Xangai, de Moscovo... a Lisboa! Em pouco mais de década e meia, os vinhos argentinos conquistaram um imenso respeito internacional, impondo-se ao mundo, galgando fronteiras e saindo do espartilho do mercado nacional, ganhando mercado após mercado, cativando os favores da crítica e de consumidores, garantindo algumas das melhores relações qualidade/preço da praça.

E se num primeiro instante era mesmo sobre esse paradigma que os vinhos argentinos se sustentavam, sobre as excelentes relações qualidade/preço, hoje a realidade é bem distinta e os vinhos impõem-se por si próprios, pela qualidade e consistência que conseguem apresentar, colheita após colheita, assentes num discurso genuíno e original que se apoiou numa casta francesa entretanto caída em desuso na região de Bordéus, o Malbec. Apesar de ainda maioritária em Cahors e presente em algumas regiões francesas, ainda que minoritariamente, bem como residual nas vinhas norte-americanas, italianas e espanholas, é na Argentina que a variedade Malbec sobressai e onde se transformou em casta bandeira dos vinhos do país. Nos vinhos brancos argentinos, que começam agora a emergir com um novo fulgor, o destaque é atribuído por inteiro à variedade Torrontés, casta local que resulta de um hibridismo ocasional... e que nada tem a ver com a casta galega de mesmo nome.

Na verdade, o panorama dos vinhos argentinos é tão apetecível internacionalmente, tão promissor comercialmente, que a Sogrape, o maior produtor de vinhos português, proprietária de nomes tão conceituados como o ícone universal chamado Mateus rosé, guardiã da referência modelar dos vinhos portugueses intitulada Barca Velha e dona de um símbolo histórico como a Sandeman, decidiu investir na Argentina, adquirindo um produtor local, a Finca Flichman, transformada em braço armado da Sogrape na oferta de vinhos argentinos, vendendo vinhos argentinos pelos quatro cantos do mundo.

Vinhos que se encontram à venda em Portugal sob o nome Finca Flichman, desde a gama Misterio aos Reserva e Dedicado, com vinhos estremes das castas Chardonnay, Cabernet Sauvignon, Shiraz, representados directamente pela Sogrape. De resto não são os únicos vinhos argentinos disponíveis em Portugal, alargando-se a oferta a uma série relativamente dilatada de outras referências de rótulos conceituados, representados por diversas empresas nacionais como a Adega Algarvia, Direct Wine, MKH, Vinalda, Nazar e, em distribuição directa, os vinhos argentinos do enólogo Rui Reguinga.

Rui Reguinga que abraçou a Argentina de forma muito particular, afirmando-se hoje como consultor de enologia do projecto Fabre Montmayou, produtor elitista onde Reguinga conseguiu granjear liberdade suficiente para avançar com uma vinha de Touriga Nacional, variedade que, aparentemente, se adaptou especialmente bem às exigentes condições naturais das encostas andinas onde as vinhas alcançam altitudes impensáveis noutras latitudes, chegando a ultrapassar os 3000 metros de altitude nas cotas mais altas.

Vale a pena passar os olhos pelos vinhos argentinos à venda em Portugal, desde os Finca Flichman aos Fabre Montmayou, dos Colomé aos Famiglia Bianchi, dos Crios aos François Lurton, dos Terrazas aos Trapiche, sempre com a certeza de vir a encontrar vinhos fiáveis e prazenteiros.

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