Poderíamos brindar com Champagne, com Cava, com Sekt, com Prosecco ou com qualquer outro dos muitos nomes de vinhos espumantes existentes no mundo. Poderíamos... mas não é necessário. Na verdade, é virtualmente impossível perceber por que razão o tradicional chauvinismo português face aos vinhos estrangeiros não se estende ao pequeno mundo dos vinhos espumantes.
É difícil perceber porque depreciamos e desprezamos os vinhos estrangeiros como se assumíssemos um princípio moral, plenamente convencidos que produzimos os melhores vinhos do mundo, para depois, quando chegamos aos vinhos espumantes, invertemos o sentimento, deixando que a dúvida agite a nossa confiança. De forma quase ingénua, entretemo-nos a valorizar o que é estrangeiro, só por ser estrangeiro, elevando os espumantes de outros países à condição de excelência.
É difícil perceber os porquês e as razões para esta cisma nacional, sobretudo quando em Portugal também existem vinhos espumantes de belíssima qualidade, propostos a preços extremamente atraentes face aos seus congéneres internacionais. Então porque não aproveitar o que de melhor se faz em Portugal, em vez de se deixar simplesmente seduzir por um nome estrangeiro... que raramente corresponde à qualidade que lhe idealiza?
Espumantes de qualidade não faltam, maioritariamente originários das regiões mais clássicas e tradicionais no estilo, mesmo se por vezes surjam agradáveis surpresas dos sítios mais inesperados. Se Távora-Varosa e Bairrada continuam a afirmar-se como as duas regiões mais empenhadas nos espumantes, assiste-se hoje ao despertar de duas outras regiões para a magia dos espumantes, Bucelas e Vinho Verde, duas regiões com um elevado potencial natural para se afirmarem no estilo. E depois há realidades surpreendentes mas muito interessantes, exercícios de excelência como o que a Vértice faz no Douro, um local pouco provável, ou os ensaios que a Sogrape faz no Dão, na Quinta dos Carvalhais, com resultados francamente animadores.
Entre todos os pares, entre todos os produtores de todas as regiões, a Murganheira destaca-se pelos seus espumantes envelhecidos, instruídos durante longos anos no repouso das caves da casa, suportando estágios que chegam a ultrapassar os dez anos de espera, lançados para o mercado somente quando atingem o momento óptimo de consumo, numa prática que é financeiramente difícil de sustentar mas que faz maravilhas aos vinhos da casa.
Entre todos os Murganheira, aquele que mais me encanta é a Cuvée Reserva Especial Bruto 2002 um espumante já com alguma idade que se apresenta vestido de cor amarela ouro pálida. Brilhante nas notas de padaria, nos aromas de torradas e nos leves traços de licor, denuncia uma complexidade pouco habitual nos vinhos espumantes. Delicado e fresco, viçoso e revigorante, complexo e distinto, é uma das melhores publicações de sempre de espumantes nacionais, com muitos anos de vida pela frente. Um espumante que merece atenção profunda e que ganha se for bebido antes ou durante a refeição.
No Douro, nas terras altas do Douro, nasce o Vértice, obra pessoal de Celso Pereira, o grande obreiro de um dos melhores e mais improváveis espumantes nacionais. Pena é que os vinhos não possam ficar a envelhecer mais uns anos em garrafa face aos custos brutais de ter o vinho parado durante quase uma década, porque as experiências com espumantes velhos que tive oportunidade de apreciar na casa são absolutamente arrebatadoras, tendo-me oferecido alguns dos melhores vinhos espumantes nacionais que já tive ocasião de provar.
Muito bom está o Vértice Millésime Bruto 2005, um espumante que começa por se apresentar algo misterioso na sua cor moderadamente salmonada. Frutado e muito ligeiramente floral, especiado e rico, exibe uma suavidade de boca quase comovente, uma alegria contagiante e uma frescura completamente transbordante. Seco, sem excessos, tenso na acidez, delicado na bolha, é um belíssimo espumante que mostra bem a arte da casa.
Num estilo radicalmente diferente, mais rijo e tradicional, com um estilo muito mais próximo aos vinhos velhos, mais clássico mas com um encanto quase intemporal, o Quinta das Bágeiras Grande Reserva Bruto Natural 2003, um espumante puro e duro, sem a suavização do açúcar, mostra cor amarela ouro com bolha fina e persistente. O nariz revela notas encantadoras de vinho velho, logo seguidas por indícios educados de uma discreta oxidação, massa levedada, iodo, alperce em calda, restolho e amêndoas torradas. A boca acompanha este arco-íris aromático imprimindo uma frescura notável que o prolonga suavemente para um final longo e vivo.
Para terminar, algo muito interessante e simultaneamente exótico, um espumante do Tejo, da Quinta da Lagoalva, o surpreendente Quinta da Lagoalva de Cima Bruto não datado. Um espumante de uma região pouco habituada a este estilo de vinho, adornado por uma tonalidade amarela limão pálida onde o nariz surge inesperadamente elegante, ataviado por notas de fermento de pão, bolo lêvedo, iodo, tabaco... e um delicado registo floral de pétalas de rosa. Apesar de menos aprimorada, a boca mantém o suave embalo do nariz, elevando-se a um patamar imprevisto. Por que não experimentar?