Já o expus anteriormente, quando o tema se debruça sobre os vinhos espumantes perdemos de imediato qualquer pretensão de nacionalismo ou defesa dos produtos pátrios para logo abraçarmos a causa do champanhe, o símbolo por excelência do luxo, celebração e sucesso pessoal e profissional. Nenhum outro vinho no mundo conseguiu reunir de forma tão eloquente uma imagem de exclusividade, sociabilidade e fausto, emprestando uma sensação de riqueza e esplendor.
Os preços acompanham de perto esta imagem de luxo, sofisticação e ostentação, alcançando valores quase profanos, sobretudo quando comparados com os demais vinhos espumantes do mundo. Não será difícil perceber como tantos produtores do mundo se deverão contorcer num misto de inveja e impotência, da Bairrada à Sicília, da Catalunha à Austrália, enquanto assistem ao longo e louco desfilar de preços dos champanhes base de cada produtor, vendo garrafas a serem propostas a preços desajustados, vendidos no caso do Mumm Cordon Rouge a 29€, no caso do Taittinger Prestige e Moët Chandon Impérial a 32€, no caso do Veuve Clicquot a 40€ ou no caso do Bollinger de entrada de gama a pouco mais de 45€!
Valores ainda mais improváveis e apetitosos quando se descobre que a produção anual de um produtor tão afamado e reputadamente exclusivo como a Moët & Chandon, um dos ícones capitais de champanhe que em Portugal reclama 32€ para o seu vinho mais barato, atinge a incrível soma de 25 milhões de garrafas/ano. Como diria um ex-candidato a primeiro-ministro, basta fazer as contas para perceber o poderio económico de Champagne. Valores que voltam a revelar-se generosos quando uma análise estatística revela que em 2010, em pleno epicentro da crise financeira mundial, a produção conjunta da região de Champagne atingiu o incrível algarismo de 319 milhões de garrafas!
Mas o ciúme só fica integralmente preenchido quando desvendamos que o champanhe Dom Pérignon, uma das principais e incontestáveis referências mundiais da categoria, prometido pela sóbria soma de 120€ por garrafa... tem uma produção anual de 5 milhões de garrafas! E se por acaso neste momento está já a considerar comprar uma pequena vinha na região, saiba que a tarefa não se apresenta fácil. Enquanto na região de Languedoc um hectare de terra é proposto a um preço médio que se avizinha dos 11.200€, uma parcela no Loire é vendida a cerca de 23.900€, um hectare em Bordéus é negociado a preços medianos que se aproximam dos 69.200€ e um hectare na Borgonha alcança uma cotação média de 116.500€... em Champagne o preço médio do mesmo hectare dispara para valores que rondam os 868.300€.
Mas mesmo por este preço não lhe será fácil comprar um pedaço de terra porque são raros, muito raros, os que estão dispostos a prescindir de um talhão de vinha, por pequena que seja a parcela. Outra coisa não seria de esperar, tendo em conta o preço a que as uvas são valorizadas em cada campanha. A última vindima para a qual existem dados públicos, 2010, assegura que as piores uvas, escolhidas entre as piores das 320 comunidades em que a região de Champagne está subdividida, foram pagas a 4,73€ por quilo, uma miragem paradisíaca para quem, como no Douro, se habituou a receber pouco mais de 0,20€/kg, recebidos com grande sacrifício e muitos meses depois da vindima consumada. Nos casos das uvas mais cobiçadas os valores chegam a ser tão obscenos que raros são aqueles que se atrevem a adiantar números.
Como se chegou a estes algarismos e como é possível manter esta conjuntura de preços tão peculiar? Porque os vinhos são vendidos muito caros, mas sobretudo porque a maioria das grandes casas, responsáveis por um pouco mais de dois terços do volume total da produção e comercialização de Champanhe, raramente possuem vinhas, encontrando-se dependentes da oferta de milhares de pequenos viticultores que vendem as suas uvas directamente ou, mais tradicionalmente, através de correctores da região, partidistas locais que se encarregam de fazer a ponte entre a produção e as grandes casas, cobrando uma comissão de um por cento sob as verbas acordadas. Os pequenos produtores com vinha própria, esses, representam pouco mais de um quarto da produção da região.
A tendência dos últimos anos, porém, aponta para um crescimento e florescimento destes pequenos produtores, constrangendo a uma escassez de uvas disponíveis, o que por sua vez força as grandes casas a aumentar os preços oferecidos por cada quilo de uva, muitas vezes sem sequer olhar para a qualidade intrínseca das uvas que compram. Talvez por isso se mantenha uma guerra surda entre a produção e as grandes casas, incapazes de denunciar ou recusar as uvas de qualquer viticultor sob a ameaça latente de passar a não poder contar com as suas uvas, imprescindíveis para quem todos os anos vinifica milhões e milhões de litros.
Para os pequenos proprietários, numa região onde a propriedade média ronda os dois hectares, a vida está facilitada. Só têm de entregar as uvas num centro de prensagem bem perto de si, algures entre os quase 1900 centros de prensagem que se encontram espalhados por toda a região, propriedade de adegas cooperativas, grandes casas, comunitários ou privados, onde as uvas são esmagadas e depois encaminhadas para os numerosos centros de vinificação das adegas cooperativas e grandes produtores. Adegas cooperativas que curiosamente, e apesar de processarem quase metade das uvas de Champagne, representam uma quase insignificância na produção total da região, limitando-se na quase totalidade a prestar um serviço de vinificação para as grandes casas... chegando muitas dessas adegas cooperativas a prescindir de manter qualquer marca comercial própria.
Uma estranha e fascinante realidade que reflecte uma enorme pujança económica e uma inteligência extrema na comunicação que dificilmente será reproduzível fora da região. Mas que pode, e deve, ser analisada com atenção, tentando colher e adoptar alguns dos modelos de sucesso da região.