Vinhos exclusivos, românticos, respeitadores das castas locais e com largos anos na garrafeira antes de chegarem ao mercado a preços acessíveis apenas a um pequeno nicho de consumidores? Não falem nisso a José Neiva Correia, o homem que em pouco mais de uma década transformou a DFJ numa grande empresa de vinhos. É tudo muito bonito, mas, diz, as vinhas e o negócio do vinho existem para dar lucro, não para afagar o ego ou o devaneio pessoal.
Há muita gente que chega ao sector pela via narcísica e romântica e que acaba falida ou, então, com um buraco sem fundo onde vai metendo o muito dinheiro que possa ter. José Neiva Correia pertence ao grupo dos pragmáticos, encarando o negócio do vinho de uma forma, digamos, "judaica". Com ele, não há espaço para vinhas pouco produtivas e vinhos de garagem, nem culto pelas castas regionais. Oriundo de Torres Vedras, zona onde sempre se produziu muito, Neiva Correia usa o seu profundo conhecimento técnico (cimentado em estágios no Centro Nacional de Estudos Vinícolas e em França e na Alemanha) para tirar o máximo partido das vinhas e da adega.
Com a maior das facilidades, chega a produzir mais de 20 toneladas de uvas por hectare, cinco vezes mais do que, em média, se produz no Douro, por exemplo. Mas o mais extraordinário é que consegue produzir muito e com qualidade. Volta e meia, alguns dos muitos vinhos que faz a partir dessas vinhas superprodutivas são distinguidos com mais de 90 pontos pelas principais revistas internacionais da especialidade.
Engenheiro técnico agrário com gosto pela investigação (chegou a desenvolver e a patentear um método de desinfecção de rolhas através do ozono que vendeu depois ao grupo Amorim), Neiva Correia domina todos os mecanismos fisiológicos da videira. Sabe o que a vinha precisa e alimenta-a devidamente, sem recurso a produtos químicos, fertilizando-a com elevadas quantidades de matéria orgânica que obtém, na maioria dos casos de forma gratuita, em aterros sanitários.
José Neiva Correia criou a DFJ, juntamente com dois sócios, em 1998. Hoje é o único accionista e, embora a empresa não possua vinhas próprias, vende cerca de seis milhões garrafas, 90% dos quais no mercado externo. São mais de 30 marcas e perto de 80 vinhos diferentes, oriundos de várias regiões nacionais. Não há ninguém tão prolixo no país.
O enólogo produz vinhos para acompanhar todo o tipo de comida, desde sushi a fast food. Cada vinho é desenhado em função de um mercado específico, integrando gamas distintas que vão desde a linha "Básica", de maior volume, até à "Icon", mais cara e exclusiva e onde encaixam vinhos como o belíssimo Francos. É um léxico extenso que inclui marcas como Grand'Arte, DFJ, Coreto, Portada, Segada, Monte Alentejano, Casa do Lago, Patamar, Manta Preta, Point West, Consensus e Escada, entre muitas outras.
Oriundo de uma abastada família de viticultores da Estremadura, José Neiva Correia divide com alguns irmãos a propriedade da Rui Abreu Correia, Herdeiros, uma das maiores casas agrícolas daquela região, detentora da histórica Quinta de Porto Franco, em Alenquer, e de cerca de 200 hectares de vinha (em Alenquer e Torres Vedras). A produção é toda destinada à DFJ, mas não chega. Neiva Correia encomenda também vinhos base a fornecedores seleccionados de outras regiões que depois afina e engarrafa. Um deles, o tinto duriense Escada, é comprado em São João da Pesqueira, a um dos maiores negociantes de uvas e vinhos da região. O negociante produz o vinho base à maneira de Neiva Correia e o enólogo completa o processo na Quinta da Fonte Bela, perto de Santarém, e onde funciona a DFJ.
Trata-se de um magnífico complexo de edifícios em pedra de ressonâncias industriais e evocativo da arquitectura típica do château francês. Distribuídos por nove pavilhões, funcionam armazéns, adegas, laboratório, central de engarrafamento, tanoaria e escritórios. A adega principal possui uma capacidade de armazenamento de 2,5 milhões de litros de vinho e há uma outra por utilizar que é considerada a maior adega de tonéis de madeira do país.
Uma antiga destilaria foi, entretanto, reconvertida em tanoaria, que mostra bem o engenho de Neiva Correia. Para poupar em barricas novas, Neiva Correia compra barricas usadas à Seguin Moreau, uma das mais prestigiadas tanoarias francesas, e restaura-as de modo a poderem ter mais um ou dois anos de uso. Cada barrica usada custa em média 50 euros. Depois de restaurada e chofada (queimada), pode chegar aos 100 euros. No final do seu uso, as barricas são divididas em duas e vendidas por 60 euros cada para servirem como floreiras. Neiva Correia consegue, assim, dar a muitos dos seus vinhos um estágio em madeira de grande qualidade sem grandes custos.
É isso que explica que tenha no mercado vinhos bons, ou até muito bons, e de volume considerável. Por exemplo, o tal tinto Escada, do Douro, custa cerca de 14 euros e a DFJ consegue vender no mercado externo perto de 200 mil garrafas. Poucos produtores durienses se podem gabar de conseguir o mesmo.Na lista dos 100 melhores vinhos de 2011, a revista Wine Enthusiast colocou o Escada 2007 na 29.ª posição. E também distinguiu o Grand'Arte Alvarinho 2010 como a 9.ª melhor compra do ano.
Qual é o segredo de Neiva Correia? Conhecimento, sentido do negócio, criatividade e arrojo, visível na decisão de plantar na quinta da família inúmeras castas estrangeiras, como Pinot Noir, Syrah, Merlot e Caladoc (cruzamento entre Grenache e Malbec). Não o faz por capricho, mas sim com o propósito de conseguir produções elevadas e competitivas que assegurem a melhor qualidade ao mais baixo preço. Faz o que os australianos já há muito fizeram com sucesso.
Os mais puristas não lhe acham muita piada e há outros que o criticam de só fazer vinhos iguais, frescos e doces. Neiva Correia nem precisa de responder. O inglês Tim Atkin, master of wine e um dos mais reputados críticos mundiais, já o fez por ele, no prefácio que escreveu para o livro Grand'Arte, publicado no décimo aniversário da DFJ: José Neiva Correia "tem tanta vocação para fazer vinhos de topo como para produzir vinhos baratos, criando marcas destinadas a um mercado de massas e usando castas tradicionais e internacionais com assinalável mestria. A revolução portuguesa nos vinhos não teria acontecido sem a sua intervenção".