Fugas - vinhos

  • Meruge Branco 2010
    Meruge Branco 2010

Meruge, nome de grandes vinhos

Por Pedro Garcias

A Lavradores de Feitoria, empresa que reúne 15 produtores do Douro, apresentou esta semana os seus novos vinhos. Provámo-los, na adega, em Sabrosa, sem os testarmos à mesa, que é a prova mais importante e decisiva. Mas não é preciso sonhar com sofisticadas harmonizações para nos rendermos a pelo menos dois deles: o Meruge Branco 2010 e o Meruge Tinto 2008. Ambos vão dar que falar.

Somando as propriedades dos seus sócios, a Lavradores de Feitoria possui cerca de 600 hectares de vinha espalhados pelas três sub-regiões do Douro: Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior. Quem é do Douro, sabe o que isto significa. Quer dizer que pode tirar partido da grande tradição e mais-valia duriense: o blend, a possibilidade de lotar vinhos provenientes de zonas mais altas com outros de zonas mais baixas, de encostas viradas a norte com encostas viradas a sul, ou seja, de juntar vinhos mais frescos com outros mais alcoólicos.

É essa riqueza, essa diversidade de altitudes, solos e de exposições, que permite, por exemplo, ter no mercado vinhos a três euros com a valia do Lavradores de Feitoria Branco 2011 e Tinto 2010 (seco e fresco o branco, frutado e macio o tinto). Ou, por maioria de razão, conseguir um tinto com a qualidade que encontramos no Três Bagos Grande Escolha 2008. Feito com uvas de vinhas velhas de 18 quintas, é um vinho com fruta muita impressiva, bons tostados, corpo avantajado, boa amplitude e final de boca gostoso, mostrando um bom trabalho na integração da madeira e no arredondamento dos taninos. Tem o que se espera de um Douro - fruta madura, volume, concentração, suculência -, mas num registo mais elegante e directo, para agradar a mais gente e desde já.

Dispor de tantas quintas também torna possível fazer vinhos de gama média muito interessantes, como o Três Bagos Branco 2010 e Tinto 2008 (6,5 euros) ou o Três Bagos Sauvignon Blanc 2010 (8 euros). Os dois primeiros passam parcialmente por madeira (20%) e são vinhos muito atraentes e digestivos e com uma excelente relação qualidade/preço. O terceiro é uma história de sucesso que surgiu um pouco por acaso.

Nas vinhas junto ao Palácio de Mateus, cujo proprietário, Fernando Albuquerque, é o maior accionista da Lavradores de Feitoria (mas não maioritário), havia uma quantidade generosa de videiras de Sauvignon Blanc que eram vindimadas juntamente com todas as outras castas brancas, por falta de conhecimento. Quando a equipa de enologia da Lavradores de Feitoria, liderada desde há alguns anos por Paulo Ruão, ex-Ramos Pinto, soube da existência daquelas videiras, resolveu fazer um vinho monovarietal e a adesão do mercado foi imediata. O que torna este Sauvignon Blanc um vinho muito apelativo é, além da sua exuberância aromática, a fantástica mineralidade que mostra na boca.

Poder fazer alguns vinhos de quinta é também outra das vantagens competitivas da Lavradores de Feitoria. Quando a empresa foi criada, em 2000, a ideia passava, aliás, por explorar essa vertente. Algumas experiências iniciais até se revelaram bem-sucedidas, como foi o caso do vinho Quinta do Couquinho (que deixou entretanto de ser associada). Mas essa dispersão de vinhos com uma história própria não era sustentável e o que acabou por fazer caminho foi a implantação de marcas mais generalistas, baseadas em vinho de lote. Sobraram, ainda assim, o Quinta da Costa das Aguaneiras (fica situada junto à Quinta do Crasto, na margem direita do Douro) e o Meruge (Rio Torto). Dois vinhos de terroir.

Nos tintos, a colheita que está a chegar ao mercado é de 2008. O ano é o mesmo, mas os vinhos são muito diferentes. O Quinta da Costa das Aguaneiras (17 euros), dominado pela Touriga Nacional, é um vinho que causa grande impacto sensorial. Encorpado e com boa complexidade, tem, porém, um pequeno senão: um pouco de álcool a mais, o que explica a ligeira sensação de doçura que se sente no ataque de boca. No resto, é um Douro impetuoso e marcante, daqueles que não deixam ninguém indiferente.

No perfil, está quase nos antípodas do Meruge Tinto 2008 (17 euros), um tipo de vinho que é, muitas vezes, mal compreendido. Faz parte da mesma família do Charme, de Dirk Niepoort. O método de vinificação é semelhante: as uvas são maceradas com engaço e a fermentação do mosto é feita em barrica. No caso do Meruge, a casta dominante (80%) é a Tinta Roriz, casta cada vez mais mal-amada pelos enólogos do Douro, por originar vinhos algo verdes e com taninos secos. Mas isso só acontece se as uvas não amadurecerem bem e se a sua fértil produção não for controlada. Bem trabalhada na vinha, a Roriz origina vinhos fantásticos, frescos, falsamente ligeiros e complexos. O Meruge 2008 está aí para o provar. De aroma muito químico e terroso, assemelha-se a um Pinot Noir, na sua delicadeza e finesse. Possui boa fruta e é muito mineral, proporcionando uma prova de boca exaltante. Muito bom.

De todos os vinhos que provámos, só um outro causou uma tão boa impressão: o Meruge Branco 2010 (16 euros). Feito apenas de Viosinho, mas com uvas de duas vinhas diferentes (de Vila Real e Sabrosa), fermentou e estagiou em barricas de carvalho de português sem qualquer tipo de chofa. Madeira crua, como se usava antigamente. Esta opção tem os seus riscos: a madeira crua marca os vinhos com um toque de serrim que pode ser desagradável. Mas também tem as suas virtudes: desaparecem os fumados, que deixam alguns vinhos brancos enjoativos e imbebíveis.

No caso do Meruge 2010, a integração da madeira é perfeita. O seu perfume e volume ligaram-se bem à rudeza da madeira, o que, acrescido a uma fantástica acidez, tornaram o vinho musculado, austero e deliciosamente vibrante, algo ríspido até. O final de boca é enxuto e cheio de nervo, mostrando uma limpeza e uma frescura formidáveis. Um branco singular e de altíssimo nível.

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