Fugas - vinhos

Fernando Veludo/NFactos

Vinho a copo

Por Rui Falcão

É estranho que ainda hoje tenhamos de fazer campanhas para promover o consumo de vinho a copo na restauração... e que essa mesma restauração continue a sentir tantos anticorpos em relação ao tema.

Andamos nesta luta há já alguns anos, na divulgação e promoção do vinho a copo, na exaltação das virtudes de poder escolher beber um copo de vinho num restaurante sem que o prazer nos obrigue a ter de pedir uma garrafa inteira, sem ter de suportar os custos inerentes a tal escolha. O plural não surge aqui embrulhado num discurso em tom majestático mas sim na constatação que têm sido muitos os que têm alertado para as virtudes do consumo do vinho a copo entre aqueles que se dedicam a escrever e a pensar sobre o vinho.

É estranho que ainda hoje, depois de tantos anos de alertas e de sucessivos incentivos para o que consumo de vinho a copo na restauração se transforme numa realidade, o tema teime em permanecer esquecido e que continuem a ser necessários apelos para a sua aplicação. É estranho que uma parte significativa da nossa restauração se mantenha alheada da realidade, limitando-se a aplicar margens ostentosas nos vinhos que mantêm nas cartas, margens que por vezes chegam a ser ofensivas, afastando os clientes do vinho, sem se preocupar em oferecer um serviço condizente. É estranho que mesmo nestes momentos de agravo e aperto financeiro em que vivemos, quando é fundamental fidelizar clientes e quando convém dar rédea solta à imaginação, a oferta de vinho a copo continue a ser uma opção omissa em tantos restaurantes.

Em boa hora a Viniportugal, a entidade que tutela a promoção dos vinhos portugueses, decidiu lançar e renovar uma campanha de promoção do consumo de vinho a copo na restauração, insistindo numa mensagem que se aplica directamente à restauração, mas também aos consumidores finais, aos clientes, a todos nós, despertando consciências, forçando-nos a ser mais exigentes com quem nos presta um serviço.

Sim, é estranho que ainda hoje tenhamos de estar a enaltecer as virtudes do vinho a copo, que tenhamos de persistir em pretender limpar os estigmas do passado, das tascas e tabernas que hoje tentamos largar com tanto afinco como se o passado fosse razão para qualquer vergonha grupal. A imagem social e censurável do copo de vinho ainda pesa na nossa memória colectiva, muito mais do que costumamos admitir. Para não falar de um clima de suspeição congénito instalado na sociedade, comum a quase todos os países latinos, um clima de desconfiança ajustado num receio de fraude, na suspeita de uma possível adulteração do vinho servido a copo, de uma garrafa aberta previamente e sem a certeza de corresponder ao rótulo.

Mas as vantagens são avassaladoras para todos aqueles que, com maior ou menor assiduidade, frequentam restaurantes. É natural que em diversas ocasiões almoce ou jante na companhia de apenas um conviva, ou mesmo sozinho. Numa refeição a dois, ou ainda pior no caso de uma refeição solitária, nem sempre é permissível ou sequer expectável o consumo de uma garrafa inteira, gerando desperdícios financeiramente injustificáveis. A solução poderia passar pela eleição de meias garrafas ou de garrafas de 500ml, mas sabemos que, infelizmente, a escolha de vinhos neste formato costuma ser extremamente limitada. Por diversas razões a maioria dos produtores não aposta na sua comercialização, e como tal, dificilmente poderemos contar com elas como preferência válida. O vinho a copo é evidentemente, a solução óptima.

Numa sociedade que cada vez mais impõe refeições rápidas e que vive obcecada com a contagem de calorias e com a criminalização do consumo de álcool, que vê instituído o controlo de taxa de alcoolemia, são cada vez mais raras as ocasiões que justifiquem o consumo de uma garrafa inteira. O vinho a copo é evidentemente, a solução óptima.

Mas sobretudo, para que a partilha de um vinho seja praticável, é fundamental que a escolha de pratos entre os vários parceiros da mesma mesa seja coerente. Não é fácil criar harmonias convenientes para todos os comensais. Numa refeição a dois ou mais, onde as escolhas de pratos podem variar entre marisco e um prato de feijoada, entre o arroz de peixe e o arroz de cabidela, não será fácil encontrar um vinho consensual que estabeleça pontes de prazer entre todos. O vinho a copo é evidentemente, a solução óptima.

A escolha de uma garrafa de vinho que se revele consensual entre todos é um conceito especialmente desafiante nos restaurantes de cozinha de autor, onde são habituais os menus de degustação com presença de cinco ou mais pratos, permitindo conjugações dispersas de sabores e pontos de cozedura. Menus de degustação que frequentemente vivem da conjugação de sabores singulares e contrastantes, convertendo a escolha de um vinho único para acompanhar toda a refeição numa missão impossível. O vinho a copo é evidentemente, a solução óptima, permitindo eleger um copo de vinho diferente para cada prato ou conjunto de pratos.

E claro, para além de todas estas vantagens práticas e logísticas, o serviço de vinho a copo possibilita ainda poupanças substanciais ao cliente, permitindo que por vezes alguém se alargue a pequenas extravagâncias em vinhos mais caros que nunca ousaria pedir se tivesse de pagar por uma garrafa inteira. O vinho a copo é uma comodidade que, esperemos, veio para ficar, um conforto para consumidores e restauração, permitindo uma flexibilidade de que é difícil prescindir. É fácil, intuitivo e pragmático. É também uma forma expedita de poder provar vários vinhos numa refeição, de ter acesso facilitado a novidades, de poder experimentar vinhos em que normalmente não arriscaria. Como é que não tínhamos pensado nisto antes?

É claro que, para uma implantação correcta do princípio é fundamental assegurar uma boa rotação dos vinhos para obviar a oxidações precoces. Recorrendo a sistemas caros e sofisticados ou com o recurso a sistemas caseiros de vácuo ou de gás inerte, o fundamental é saber rodar os vinhos, oferecendo uma selecção atractiva, promovendo o consumo activo do vinho a copo. A palavra de ordem é flexibilidade.

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