Fugas - vinhos

  • Adriano Miranda
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Nasceu um grande vinho do Douro

Por Pedro Garcias

Proprietário do maior grupo mundial de moda infantil, Roger Zannier perdeu-se de amores pelo Douro. Comprou duas quintas, construiu uma adega de topo e transformou uma velha casa rural num imponente turismo rural. Fomos conhecer o projecto e provar os primeiros vinhos. Um deles vai ser um caso sério.

A história, resumida, é mais ou menos assim: Roger Zannier, empresário têxtil francês, visitou diversas vezes Portugal, onde chegou a ter negócios no ramo. Numa dessas viagens, guiado por Christian Seely, o actual director geral da Axa Millésime, proprietária da Quinta do Noval, conheceu o Douro verdadeiro e, perante o dossel de montanhas e vinhas em socalco ladeando o rio, terá sentido um arrebatamento avassalador, caindo de amores pela região. Isso foi há mais de 20 anos.

Algum tempo depois, Roger Zannier comprou a Quinta do Pessegueiro, de nove hectares, situada no vale do rio Távora, afluente do Douro, mesmo junto à Quinta do Panascal, da Taylor's. Foi vendendo as uvas à Quinta do Noval, que lhe engarrafava uma parte como Porto Vintage.

Roger Zannier gostava do Douro e de vinhos, mas o seu negócio era (e é) a moda infantil. O grupo Zannier é o líder mundial do sector, facturando anualmente mais de mil milhões de euros. Em 2006, já com 61 anos, o empresário resolveu finalmente dar uma outra dimensão ao seu sonho duriense, investindo a sério. Nesse ano, comprou a Quinta da Teixeira, situada na margem esquerda do Douro, mesmo entre as quintas de Ventozelo e Tecedeiras, contratou o enólogo João Nicolau de Almeida (filho de João Nicolau de Almeida, da Ramos Pinto), começou a renovar as vinhas e foi desenhando mentalmente os primeiros esquissos de uma adega e de uma unidade de agro-turismo.

Hoje, quem passar por Ervedosa do Douro, a caminho de São da Pesqueira, vislumbra ao longe, no topo da vertente virada a norte do vale do Douro, um edifício de betão com uma grande superfície envidraçada. O edifício distingue-se na paisagem, mas não choca, nem cria grande impacto visual. Quando nos aproximamos, percebe-se que não é uma obra qualquer, mas a grande surpresa só acontece mesmo quando transpomos a zona de recepção de uvas e entramos na adega.

Lá dentro, um enorme fosso interior separa e liga dois corpos laterais que se desdobram em vários pisos. Num dos corpos, em camadas sucessivas, situam-se a recepção de uvas, a vinificação e a sala de barricas; no outro, ficam as salas com o produto acabado. Ao meio, no fosso interior, uma cuba-elevador faz o circuito entre os vários pisos ligados à vinificação. O arrojado e vanguardista projecto, da autoria do gabinete português Oito em Ponto, foi pensado para permitir que todas as operações sejam feitas por gravidade, incluindo as trasfegas e as remontagens dos vinhos, estas com o auxílio da cuba-elevador.

Em modernidade, sofisticação e funcionalidade, só mesmo a adega da Quinta de Nápoles, da Niepoort, se compara à adega da Quinta do Pessegueiro, de Roger Zannier. Uma espécie de "Rolls Royce" com capacidade para produzir até 200 mil garrafas, entre vinhos tranquilos e vinho do Porto. É este o limite máximo que Roger Zannier tem no horizonte, embora nesta fase a produção seja ainda bastante reduzida. A aposta passa pela produção de vinhos de quinta de alta qualidade, sem recurso a uvas de terceiros, repetindo o conceito de domaine francês.


Douro casa adentro

O projecto leva o nome Quinta do Pessegueiro e é, juntamente com o Château Saint Maur, na Provença, um dos Domaines Roger Zannier (além de vinhas, o empresário possui um hotel no Camboja e um chalet na estância de esqui de Megève, em França). O empresário optou pelo nome da primeira quinta que comprou no Douro, apesar de a adega se situar mais próxima da Quinta da Teixeira. Em redor da adega, vai ser plantado um hectare de vinha com castas brancas. A Quinta da Teixeira fica um pouco mais abaixo, já perto do rio, mesmo em frente à fantástica Quinta da Romaneira.

A encosta, muito íngreme, é um mosaico de matos mediterrânicos e vinhas em socalcos. Os acessos são em terra batida e, embora difíceis, proporcionam de todas as perspectivas panorâmicas deslumbrantes do vale do Douro. Mas, surpresa das surpresas, nenhuma se compara com os cenários que nos esperam na casa da quinta e futura unidade de agro-turismo. A obra, de estilo moderno com ressonâncias clássicas, de arquitectura senhorial, está quase terminada. Pela sua localização e pelo desenho dos quartos, salas e varandas, o Douro parece que entra casa adentro, gerando planos prodigiosos.

Em redor, estendem-se as vinhas, algumas ao alto, outras em socalcos. Mais em cima, dissimulados por entre a vegetação, escondem-se muretes seculares de xisto que já suportaram pequenos terraços de vinha ou de olival. Alguns estão a ser arroteados de novo, num trabalho quase arqueológico.

Nesta fase, a área de vinha da Quinta do Pessegueiro (somando todas as propriedades) é de 20 hectares e poderá subir para 30 hectares, não mais. É uma área relativamente pequena face aos muitos milhões de euros (entre os oito e os 10 milhões) que Roger Zannier já investiu no projecto. Mas o empresário costuma dizer que está a construir algo para os netos, não olhando, por isso, para a sua rentabilidade imediata.

Por agora, o que o move é fazer vinhos que se batam com os melhores do mundo. A gama da Quinta do Pessegueiro incluirá um colheita, um reserva e um reserva especial. A adega só começou a funcionar em 2010, mas desde 2006 que João Nicolau de Almeida começou a vinificar, numa adega alugada, algumas uvas das quintas da empresa. Os dois primeiros vinhos, dois tintos de 2008 e 2009, foram esta semana apresentados publicamente, em estreia mundial.

Provámo-los na adega, juntamente com as bases da colheita de 2010, e é notória a existência de um estilo que se afasta do perfil tradicional dos vinhos do Douro. João Nicolau de Almeida quer recuperar os conceitos do avô, Fernando Nicolau de Almeida, o homem que criou o Barca Velha, apostando em vinhos com mais acidez e menos álcool. Dos dois vinhos agora apresentados, o Quinta do Pessegueiro Reserva 2008 possui 14% de álcool e passou 21 meses em barricas novas. O Quinta do Pessegueiro Reserva Especial 2009 tem 13% de álcool e fermentou e estagiou em tonéis novos e usados.

O primeiro, lote de vinhas velhas, Touriga Franca e Touriga Nacional, é um vinho terroso e vegetal, com boa fruta na boca, excelente estrutura e madeira ainda bem evidente. Muito bom. O segundo, lote ainda mais alargado, juntando uvas das duas quintas, algumas de vinhas velhas, e também uma parte generosa da cada vez mais mal-amada Tinta Roriz (importante no Barca Velha, por exemplo), é simplesmente um vinho extraordinário.

Será esta a referência da Quinta do Pessegueiro. O vinho só é engarrafado em anos excepcionais. Em 2010, por exemplo, não haverá reserva especial. O 2009 não tem o tempo que é dado aos vinhos lendários, mas, mesmo assim, promete ser um caso sério. Delicado e profundo, elegante e complexo, ressuma pureza e frescura balsâmica, mostrando uma admirável textura, com taninos de grande qualidade e uma acidez exaltante. Quase não se sente a madeira, tão boa foi a integração. Exuberante e rico de aroma, o vinho parece que cresce na boca, revelando um nervo incrível. Irá custar um pouco mais de 50 euros, mas vale-os. Nasceu um novo grande tinto do Douro.

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