Os vinhos do Tejo têm sido regularmente analisados sob um preconceito irritante, um ar de sobranceria e um desprezo altivo que incomoda. Por vezes chega-se mesmo a usar o discurso do "coitadinho", tão ao gosto nacional, num assumir colectivo das dificuldades dos vinhos do Tejo, como que autenticando o Ribatejo como uma região inferior, uma vítima indefesa e um território sacrificado.
Não vale a pena fingir que a imagem dos vinhos do Tejo não tem um fundamento histórico. Seria absurdo pretender reescrever a história. Sim, o Tejo já foi o grande fornecedor de vinhos de Lisboa, já foi o rei das tascas, o soberano dos vinhos a granel. Sim, a viticultura foi em tempos o parente pobre no Tejo e a selecção das castas promoveu a quantidade em detrimento da qualidade. E sim, não é fácil descolar da imagem de vinho a granel, do preconceito da quantidade, da falta de imagem da região... mas não tem de ser assim! Há espaço, predicados e condições na região do Tejo para fazer vinhos de qualidade irrepreensível. Para isso é fundamental que se promova a individualidade dos vinhos do Tejo e que se promova uma das suas imagens de marca, a existência de dias quentes e noites frescas.
Hoje existem, felizmente, razões para sorrir. Ainda não são muitos, há que o reconhecer, mas existe um grupo muito interessante de produtores do Tejo com vontade e empenho em mudar os paradigmas da região. E já se fazem alguns grandes vinhos no Ribatejo, por vezes com preços extremamente aliciantes. Nenhuma região quer ver os seus vinhos promovidos pelo factor preço, mas se as boas relações qualidade/preço abundam no Tejo, porque não divulgá-las? Sobretudo quando essa é uma das muitas magias do Tejo, a capacidade de avançar simultaneamente no volume e na qualidade em caminhos paralelos.
São muitos os produtores do Tejo a merecer destaque e elogios rasgados, e são muitos os vinhos que se distinguem nessa difícil equação entre preço e qualidade.
A Quinta da Alorna é uma dessas referências clássicas, uma marca de reconhecimento imediato e que constitui um refúgio seguro na restauração. Da Quinta da Alorna já nos habituámos há muito a esperar vinhos sólidos, simpáticos e bem adaptados aos gostos modernos, vinhos consensuais e vendidos a preços justos. Mas agora, para além dos rótulos tradicionais já conhecidos do passado, a Quinta da Alorna avançou destemida para um patamar qualitativo superior, lançando os vinhos Marquesa de Alorna Reserva, nas versões branco e tinto. O Marquesa de Alorna Reserva 2008 surge amplo, denso, guloso e sedutor numa primeira fase, para logo se transformar num déspota, com os taninos a marcar a cadência... e a métrica a subir para um ritmo diabólico. Termina poderoso e viril, sem nunca chegar a ser rude.
A Quinta da Lagoalva, um produtor clássico do Ribatejo, oferece um dos melhores vinhos da casta Alfrocheiro do país que, na versão Quinta da Lagoalva de Cima Grande Escolha Alfrocheiro 2008, revela um nariz delicado e elegante, carregado de fruta vermelha, com vagas sucessivas de cerejas, morangos e framboesas num registo suave e melodioso. A boca mostra-se um pouco mais tensa, ligeiramente mais autoritária, vivaça na acidez e rija nos taninos, terminando intensa e longa. Igualmente referência, dos vinhos de Casal Branco destacam-se de forma clara os Falcoaria Clássico 2008 e o Falcoaria Reserva 2007, o primeiro num registo mais clássico, com a fruta a surgir contida e a boca a terminar levemente seca mas coerente e proporcionada, num vinho que merece ser provado com atenção, enquanto o segundo se mostra mais profundo e amplo, guloso na fruta madura e nas especiarias, mais cordato na boca, não obstante a ligeira rudeza do final de boca. Dois tintos alegres e com personalidade, perfeitos para a mesa, capazes de arrancar mais do que um sorriso de satisfação.
No Casal da Coelheira são os brancos a prender a atenção, divididos entre o Casal da Coelheira Branco 2010 e o Casal da Coelheira Reserva 2010, o primeiro supinamente fresco e mineral, floral e silvestre, muito discretamente vegetal, com um tipo de frescura pouco comum nos vinhos brancos nacionais, seco e quase mastigável, enquanto o segundo se mostra mais denso e acolhedor, com as notas de baunilha a abraçar o ananás, pêssego e os aromas lácteos do nariz. Envolvente e cheio, estruturado e maciço, é um branco gordo e estruturado, redondo mas suficientemente fresco para terminar harmonioso e aceso.
Personalidade é coisa que não falta aos vinhos da Encosta do Sobral, visível sobretudo nos Different assentes em vinhas velhas de castas misturadas, engarrafados na versão branco e tinto. O Different 2009 mostra uma cor vermelha carnuda escura, apresentando-se imponente e austero apesar da fruta evidente, duro nos taninos e másculo na estrutura, tornando-o num vinho impróprio para principiantes ou espectadores desinteressados. Mas é um vinho sério e poderoso, a precisar de tempo de repouso em garrafeira, um tinto capaz de propiciar excelentes momentos à mesa.
Entre os clássicos da região não poderia faltar a Casa Cadaval, celebrada pelos belos e poderosos Trincadeira Vinhas Velhas, vinhos tensos e irrequietos que contam já com vinte anos de engarrafamentos em versão estreme. O Casa Cadaval Trincadeira Vinhas Velhas 2009 acusa cor vermelha, nariz delicado mas profundo, com a folha de tomateiro e a cereja preta a assumir as despesas da casa, logo seguidas por uma leve feição vegetal que refresca o espírito. Suave e sedoso, alegre e ponderado, é mais uma boa edição do Trincadeira Vinhas Velhas, na senda dos grandes vinhos do passado.
O Paço dos Falcões Grande Escolha 2009, frutado e perfumado, com algumas notas citrinas em acrescento, fresco e viçoso, de taninos suaves mas presentes, elegante e equilibrado, é outro dos vinhos do Tejo a merecer reconhecimento e prova atenta. Tal como o Hobby Branco 2010, um vinho de nome original que desvenda uma frescura aromática interessante, revelando-se fácil e directo, medianamente gordo e encorpado na boca, terminando intenso e refrescante.
Das Caves Dom Teodósio, seguramente uma das marcas mais tradicionais da região, vale a pena conhecer o Quinta de São João Baptista Syrah 2007, um vinho moderno e com carácter, sedutor e lúcido, frutado e especiado, repleto de cerejas e ameixas pretas, discretamente fumado, povoado por taninos seguros. Um tinto de apelo directo, sedução instantânea, num exemplo clássico da casta Syrah.