No ano 2000, no início deste milénio, ainda nada existia, rótulo, marca ou adega, para além de uma ideia aparentemente absurda e megalómana na cabeça dos Casella, uma família de origem italiana emigrada e refugiada na Austrália desde o final da década 1950.
Em Itália, na Sicília de onde eram naturais, os Casella sempre tinham vivido ligados ao vinho, empenhando os esforços de toda a família na produção de vinho a granel, actividade que nunca lhes permitiu garantir uma vida digna e desafogada, tornando-os reféns de uma pobreza severa e endémica que desde sempre devastou a grande ilha do Mediterrâneo.
Não espanta, pois, que, em 1957, a família tenha decidido perfilhar as pegadas de tantos outros italianos, emigrando para o novo mundo à procura de uma oportunidade que a sua terra natal sempre lhes tinha negado. Em vez das Américas, optaram por recomeçar a vida na longínqua Austrália por onde deambularam durante os primeiros cinco anos, subsistindo de biscates ocasionais e de pequenos trabalhos temporários.
Até que um dia, já em 1962, atracaram em Griffith, um pequeno lugarejo algures na Nova Gales do Sul onde viriam a encontrar condições para um poiso definitivo. Quatro anos depois já tinham comprado vinte hectares de terra que plantaram com a sua querida vinha a que juntaram pessegueiros e ameixoeiras. Três anos passados, em 1969, e doze anos depois de terem chegado à Austrália, os Casella rejubilavam na alegria da sua primeira vindima no novo mundo, vendendo a granel, a produtores locais, o vinho produzido, guardando uma pequena parte da produção para consumo próprio.
Empreendedores e diligentes, os Casella não perderam tempo e poucos anos depois as cinquenta toneladas da primeira vindima já não passavam de uma imagem distante do passado, no momento em que a produção já se media nas muitas centenas de toneladas e quando a adega reluzia com o brilho dos primeiros depósitos de inox. Mas foi no dobrar do milénio que a família começou a pretender materializar o seu grande plano, o projecto de criar uma marca internacional nascida do nada, criada de raiz para o mercado norte-americano, desenhada a regra e esquadro para conquistar os grandes mercados de exportação mas sempre com o mercado norte-americano como alvo prioritário.
Para concretizar o grande desígnio, decidiram oferecer sociedade à Deutsch & Sons, um dos maiores importadores/distribuidores de vinhos no mercado norte-americano, criando uma empresa detida em proporções idênticas pelos dois parceiros que lhes permitiu acesso directo e privilegiado a 44 dos estados, todos com legislações e regras próprias, ganhando massa crítica e acesso automático de forma quase instantânea.
Assumindo o mercado norte-americano como objectivo final, os Casella começaram por dissecar e analisar os 100 vinhos mais vendidos, procurando tendências e estilos desejados, procurando sentir o que motivava as escolhas dos consumidores. Poucos meses passados já estavam seguros de ter descoberto a fórmula ideal para atacar o mercado norte-americano, desenhando um vinho tinto com o rigor matemático de quem sabe ter encontrado uma fórmula vencedora. Em vez de pretender doutrinar ou sequer sugerir que vinhos os consumidores norte-americanos deveriam beber, os Casella decidiram fazer vinhos que os norte-americanos queriam realmente beber, revolucionando o mercado com esta equação aparentemente simples.
Nasceu assim aquele que viria rapidamente a transformar-se no maior fenómeno de sucesso da história do mundo do vinho, o [Yellow Tail], escrito assim mesmo, com os parênteses rectos a compor o nome. Para tal contribuiu o vinho, desenhado com o traço firme de quem não deixou nada ao acaso e que não confia nos imponderáveis da natureza, mas também o nome e a imagem fortemente colorida do rótulo, o primeiro dos muitos que se seguiram explorando a imagem simultaneamente exótica e querida de um animal.
O resto da estória... é história! Se os objectivos eram moderadamente conservadores para 2001, o primeiro ano de comercialização, admitindo a venda de 12.000 caixas de 12 garrafas, ou seja, um volume total de 144.000 garrafas, a realidade encarregou-se de subverter as regras proporcionando a venda de 112.000 caixas, ou, se preferirem, 1.344.000 garrafas, multiplicando as expectativas iniciais por dez. Quando se tem uma fórmula, uma receita mágica, multiplicar a produção por dez é algo que não custa muito na adega. Quatro anos passados, em 2005, as vendas já superavam as cinco milhões de caixas de 12 garrafas, equivalentes a 60 milhões de garrafas/ano, atingindo hoje o impressionante número de 12 milhões de caixas, correspondentes a 144 milhões de garrafas/ano, um número quase irreal e de difícil compreensão para a realidade nacional.
A pequena vinha dos Casella, que continua a não se estender para além dos 220 hectares, apresenta uma dimensão irrisória que não permite alimentar mais que um ou dois por cento do volume total produzido. Com o pragmatismo típico que caracteriza os produtores australianos, as uvas são compradas um pouco por todo o território, por vezes a milhares de quilómetros de distância, transportadas em camiões frigoríficos para abastecer a adega de Griffith, que continua a ser a adega única da família.
Simplicidade, consistência imaculada, imagem, preço, fruta farta e doçura parecem continuar a ser os segredos da [Yellow Tail]. Segundo os responsáveis pela marca, sofisticação não deve ser sinónimo de complexidade e complicação. Quem bebe vinho tem sido torturado com uma exposição a milhares de vinhos de dezenas de países, centenas de regiões e castas, enquanto na realidade a maioria deseja simplesmente perceber sabores simples e directos, sabores fáceis e reconhecíveis, sem ter a maçada e a dificuldade de querer memorizar demasiada informação irrelevante.
Uma forma diferente de encarar o vinho, marcando um contraste severo com a Europa, afastando conceitos como tradição e genuinidade em favor de satisfação e atenção ao cliente na procura de um produto standard e homogéneo, submetendo o produto ao interesse do consumidor. Poderemos facilmente falar em corrupção dos princípios de pureza e quase sacralização do vinho, forma como o encaramos na Europa, mas que é uma visão alternativa e financeiramente apetecível... isso é!