Fugas - vinhos

  • Nelson Garrido
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O mistério da Quinta da Foz

Por Pedro Garcias

Os investimentos angolanos também já chegaram ao Douro. Em 2008, o chefe dos serviços secretos de Angola comprou duas quintas no Douro Superior por um milhão de euros. No ano passado, a empresa Vinango, de que não se conhecem os proprietários mas que se suspeita possa estar ligada à Newshold, comprou a histórica Quinta da Foz por um pouco mais de 4 milhões de euros.

Os rumores sobre quintas do Douro compradas por empresários angolanos, em particular pela família de José Eduardo dos Santos, já são antigos. Mas, até há bem pouco tempo, a "africanização" da região do vinho do Porto assumia mais foros de lenda do que de outra coisa. Porém, nos últimos anos, surgiram alguns negócios que confirmam um crescente apetite pelos vinhedos durienses por parte de destacadas figuras do regime de Angola.

O maior negócio que se conhece ocorreu no ano passado, com a compra da Quinta da Foz, uma propriedade histórica do Douro. O verdadeiro comprador não é conhecido, mas, mais uma vez, correu o rumor de que uma das filhas do presidente angolano estaria envolvida no negócio.

Na posse da família Calem desde 1885, a Quinta da Foz - situada mesmo junto à foz do rio Pinhão e atravessada pela linha do Douro - serviu durante quase um século de armazém central da AA Calem & Filho na região. Em 1997, a AA Calem & Filho, produtora do Três Velhotes, uma das mais famosas marcas de vinho do Porto, foi vendida ao grupo galego Sogevinus, mas os Calem ficaram com as quintas da Foz, do Sagrado e do Vedial, todas vizinhas. Com o processo de partilhas após a morte, em 2006, do patriarca, Joaquim Manuel Calem, as quintas foram dividas por dois irmãos, cabendo a José Maria Calem prosseguir com a tradição familiar no Douro.

No ano passado, incapaz de pagar o avultado empréstimo que teve de contrair no BES para adquirir a Quinta da Foz e a Quinta do Sagrado à família, José Maria Calem vendeu a Quinta da Foz (cerca de sete hectares de vinhas velhas, algumas suportadas por socalcos monumentais) e todos os edifícios associados a uma empresa angolana chamada Vinango, mantendo na sua posse a Quinta do Sagrado.

José Maria Calem disse à Fugas que não faz ideia de quem está por trás da Vinango, precisando apenas que a empresa foi constituída de propósito para a compra da quinta. O negócio foi tratado pelo escritório de advogados de Lisboa Ana Bruno e Associados, que está ligado a uma boa parte dos investimentos angolanos em Portugal.

O montante do negócio não foi revelado, mas passou dos quatro milhões de euros. Os antigos funcionários da quinta transitaram para o novo proprietário, que contratou o enólogo Rui Cunha (faz o Valle Pradinhos, entre muitos outros) e está já a reestruturar uma parte das vinhas. A gestão da quinta tem vindo a ser assegurada pelo mesmo escritório de advogados que intermediou o negócio.

José Maria Calem conta que a advogada Ana Bruno lhe garantiu que nenhuma das filhas de José Eduardo dos Santos está envolvida no negócio. O antigo proprietário da Quinta da Foz suspeita que a Vinango pertença ao grupo Newshold, o mesmo que, além do jornal Sol, possui cerca de 15 por cento do capital da Cofina (Correio da Manhã, Record, Sábado e Jornal de Negócios) e uma posição mais pequena na Impresa (SIC, Expresso e Visão). O mesmo grupo é também associado à compra da Casa da Quintã, em Folhada, Marco de Canaveses, a qual pertencia ao consultor financeiro Reymão Nogueira.

A Newshold é detida pela Pineview Overseas, uma empresa com sede no offshore e que é representada em Portugal precisamente pela advogada Ana Bruno. O porta-voz presidencial, Aldemiro da Conceição, e o vice-presidente da Fundação Eduardo dos Santos e presidente da Construtora do Tâmega, António Maurício, são dois dos investidores que têm sido associados à Newshold. Outro é Álvaro Sobrinho, presidente do BESA, a filial angolana do BES. Álvaro Sobrinho esteve há algumas semanas no Douro e durante a sua estadia foi visto precisamente junto da Quinta da Foz, adensando ainda mais as suspeitas sobre a sua ligação a este negócio.


Kopelipa no Douro Superior

A aquisição da Quinta da Foz ocorreu três anos depois de o general Hélder Vieira Dias, chefe da casa militar do presidente de Angola e responsável máximo pelos serviços secretos deste país, ter comprado à Carm - Casa Agrícola Reboredo Madeira, de Almendra, as quintas da Serra e da Pedra Cavada, situadas na margem esquerda do Douro, no concelho de Vila Nova de Foz Côa.

A compra terá custado um milhão de euros, segundo confessou ao Correio da Manhã o proprietário da Carm, Celso Madeira. "Negociámos com perfeita franqueza. Eles fizeram uma belíssima compra e eu uma venda razoável. Vendi por um milhão de euros, mas foi praticamente de graça no sentido em que [as propriedades] se localizam no Douro Superior, onde estão os terrenos com maior aptidão. Podem sair dali dos melhores vinhos do mundo", afirmou o produtor duriense.

As quintas do general angolano, conhecido por Kopelipa, que também tem sido apontado como sendo um dos accionistas da Newshold, situam-se no troço do rio que vai do Pocinho a Barca de Alva, uma espécie de nova "5ª Avenida" do Douro. Em poucos anos, instalaram-se naquela zona o produtor de Bordéus Jean-Michel Cazes (proprietário do renomado château Lynch-Bages), a Quinta do Vallado, a Quinta do Crasto, a Duorum (projecto de José Maria Soares Franco e João Portugal Ramos) e Américo Amorim (com a quinta de São Cibrão, uma das mais bonitas mas ainda por reconverter). Já lá estavam, entre outros, a Carm, a Sogrape (com as suas quintas da Leda e Granja), a Quinta da Fronteira e a Quinta do Silho.

Mais ou menos pela mesma altura do investimento do general Kopelipa, Álvaro Sobrinho entrou numa sociedade com outros sócios portugueses e um inglês para a construção de uma adega, associada a uma pequena unidade de turismo rural, na aldeia de Poiares, perto da Régua. O investimento, já concluído, ronda os 1,5 milhões de euros, e foi financiado pelo banco BPI. A ideia deste grupo de investidores, que não possui vinhas, é fazer vinhos de boutique, comprando uvas a alguns produtores.


Portugal com 97 por cento do mercado do vinho em Angola

Em força para Angola, com vinhos acima dos 13 graus, frutados e ligeiramente adocicados e com rótulos coloridos: é esta a palavra de ordem da Viniportugal, associação interprofissional para a promoção dos vinhos portugueses. Com o mercado nacional em recessão profunda, Angola, a par do Brasil, transformou-se numa espécie de tábua de salvação para muitos produtores portugueses. 

Portugal detém 97 por cento de quota de mercado, com mais de 50 milhões de euros de vendas anuais. Para os vinhos alentejanos, Angola já é o principal destino de exportação. 

Mas os angolanos não são apenas consumidores. Sobretudo os angolanos com dinheiro, aqueles que bebem Barca Velha de forma quase trivial, começam também a entrar no negócio do vinho, comprando quintas no Douro (ver texto principal), tomando posições em empresas portuguesas ou estabelecendo parcerias para o mercado local. 

Dos investimentos conhecidos, o mais relevante relacionado com a comercialização de vinho envolve o empresário António Evaristo, proprietário da AE, empresa de construção civil angolana, e que em Março de 2010 adquiriu, por um milhão de euros, a empresa Vinhos Benigno, das Caldas da Rainha. Depois de ter investido algumas centenas de milhares de euros na modernização da empresa, entretanto rebaptizada de Novos Vinhos da Rainha, o empresário criou a União Vinícola de Angola, para actuar no mercado angolano.

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