Fugas - vinhos

O tamanho importa

Por Rui Falcão

É para todos um dado adquirido e devidamente ratificado que as garrafas de vinho têm uma capacidade padronizada de 750 mililitros. Este é um facto mais do que evidente da cultura geral popular mas que, curiosamente, só ganhou estatuto de preceito na não muito distante década de setenta do século passado, graças a uma proposta legislativa da Comissão Europeia.
Até há pouco mais de quarenta anos, cada país ou região da Europa, bem como dos restantes países produtores, adoptava volumes distintos em função das suas tradições históricas próprias.

Desde cedo os produtores descobriram que a cor, forma e sobretudo o tamanho das garrafas condicionam a evolução, longevidade e capacidade de envelhecimento dos vinhos, embora nem sempre se tenha compreendido e conseguido explicar os distintos fenómenos que conduzem a um envelhecimento do vinho em cada tipo de garrafa. Na verdade, ainda hoje não conseguimos compreender a totalidade dos múltiplos fenómenos envolvidos na evolução do vinho e qual a influência da garrafa no seu crescimento e desenvolvimento. De forma empírica, cada região foi determinando o seu modelo ideal de garrafa, acertando formatos e tamanhos que melhor convinham aos vinhos dessa região.

A legislação europeia acabou com todas as veleidades regionais adoptando diversos modelos padrão que foram posteriormente transcritos para a totalidade dos países produtores, bitolas que passaram a instituir os 750 mililitros como o padrão para as garrafas de vinho. Para além do volume legal da garrafa clássica, a regulação europeia estabeleceu uma multidão de outros volumes legais, de entre as quais se destacam a meia garrafa e a garrafa magnum, a primeira com uma capacidade de 375ml, que equivale a metade do volume de uma garrafa tradicional. No extremo oposto, nos tamanhos superiores, a garrafa magnum anuncia um volume de 1500ml, o que equivale ao dobro da capacidade de uma garrafa clássica. Estes são os volumes habituais, aqueles que poderão ser encontrados em supermercados e garrafeiras, disponibilizados por um grupo alargado de produtores.

Porém, para além dos clássicos, existem ainda formatos menos vulgares, os grandes formatos e, no extremo oposto, as miniaturas e garrafas das companhias aéreas, estas últimas com capacidade de 187 ml. Os grandes formatos têm dois bastiões de eleição, duas regiões tradicionais com direito à utilização de nomes próprios para as garrafas, Bordéus e Champagne. Na região de Bordéus, os formatos variam entre a rara Marie-Jeanne (2,25 litros, que equivalem a três garrafas), double magnum (3 litros, que equivalem a quatro garrafas), Jeroboam (4,5 litros, que equivalem a seis garrafas) e Impériale (6 litros, que equivalem a seis garrafas). A região de Champagne, por sua vez, adoptou nomes bíblicos para as suas referências, desde o Jéroboam (3 litros, que equivalem a quatro garrafas), Rehoboam (4,5 litros, que equivalem a seis garrafas), Matusalém (6 litros, que equivalem a oito garrafas), Salmanazar (9 litros, que equivalem a 12 garrafas), Baltasar (12 litros, que equivalem a 16 garrafas) até à impressionante Nebucodonosor (15 litros, que equivalem a 20 garrafas).

Se em Bordéus a correspondência directa entre os grandes formatos e uma evolução mais lenta é real, permitindo uma aposta clara no envelhecimento, em Champagne os grandes volumes servem essencialmente como veículo promocional de eleição, já que todas as garrafas de volume superior a magnum são engarrafadas a posteriori, cheias a partir de garrafas clássicas tendo em conta a impossibilidade material de proceder à segunda fermentação em garrafa com volumes de dimensão tão considerável.

As meias garrafas, por se transformarem mais rapidamente, proporcionam evoluções mais pronunciadas e apressadas que as garrafas clássicas. Pelo contrário, as garrafas magnum evoluem de forma mais serena, mais estável e tranquila, garantindo maior longevidade ao vinho. Embora a ciência ainda não consiga explicar todos os fenómenos que condicionam o envelhecimento do vinho, a explicação mais habitual assenta no princípio intuitivo de que em garrafas com gargalos e rolhas iguais, mas massas substancialmente diferentes, os formatos grandes garantem uma proporção entre vinho e oxigénio mais favorável, facultando uma evolução mais cuidada, enquanto a pior relação nos formatos pequenos força a uma evolução mais rápida e acidentada.

Percebe-se que as meias garrafas serão um volume ideal para um consumo a médio ou curto prazo, do mesmo modo que as garrafas magnum se apresentam como o tamanho ideal para os vinhos que se pretendem de guarda mais prolongada. Formatos de garrafa superiores, apesar de potencialmente excelentes, mostram-se demasiado caros e pouco práticos, apresentando volumes excessivos para poderem ser consumidos numa só ocasião. As meias garrafas são especialmente úteis para os generosos e vinhos doces, vinhos que de tão ricos, espessos e intensos, devem ser bebidos em quantidades reduzidas. As meias garrafas são ainda uma forma prática e económica de poder experimentar um vinho desconhecido, comprando primeiro uma meia garrafa, provando o vinho e, caso este agrade, optando por comprar garrafas em dimensões normais ou magnum.

Infelizmente, e apesar das vantagens de cada volume, é cada vez mais difícil encontrar garrafas nestes formatos. Muitos produtores procuram afastar-se tanto quanto possível dos formatos não convencionais face aos custos adicionais e à baixa procura que suscitam. Está na sua mão inverter esta tendência.

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