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"Perdeu-se o elo mais forte da nossa gastronomia"

Por Sérgio C. Andrade, Ana Machado

Uma pessoa de consenso, "de quem todos gostamos", e acima de tudo "o elo mais forte da nossa gastronomia" que se perde. É assim que Maria de Lourdes Modesto, uma das autoras mais carismáticas nacionais de obras sobre gastronomia, lembra o jornalista, crítico gastronómico David Lopes Ramos, que morreu aos 63 anos.

"Acredito que, com o desaparecimento dele, o meio gastronómico vai desaparecer, era uma referência, um profissional muito amado por todos, consensual. Sem dar nas vistas ele fazia a ligação entre todos nós. Perdeu-se o elo mais forte da nossa gastronomia", disse ao PÚBLICO Maria de Lourdes Modesto, que acredita que muita coisa vai mudar com este desaparecimento.

"Muita coisa vai mudar. Ele era uma referência de seriedade, de bonomia, incapaz de dizer mal de quem quer que fosse. É um desgosto muito grande".

chef Hélio Loureiro, responsável pela Selecção Nacional de Futebol e pelo restaurante Salsa e Loureiro do Hotel Porto Palácio, frisa o contributo dos conhecimentos históricos e culturais de David Lopes Ramos para a gastronomia nacional.

"Lamento muito esta perda. Era um grande valor do ponto de vista da investigação para a gastronomia portuguesa. Foi o homem que mais se interessou pela gastronomia nacional", defende Hélio Loureiro que destaca o cuidado da escrita de David Lopes Ramos e o conhecimento da cultura portuguesa.

Hélio Loureiro faz votos de que se continue o trabalho do jornalista. "Espero que se continue o seu trabalho. Temos outra referência nesta área que é José Quitério, que está ao mesmo nível. Mas fico muito constrangido com esta perda".

Para Hélio Loureiro não se perde "um elo" entre a gastronomia portuguesa: "Os elos não se perdem quando deixam um legado e uma história. São uma ligação para o futuro, através da obra que deixam. São uma porta aberta para que outros se interessem pelo tema. Incentivam-nos todos a continuar".

Já Pedro Nunes, chef do restaurante S. Gião, de Moreira de Cónegos, lembra o amigo que agora se perdeu.

"Primeiro que tudo, perdi um amigo, que me ajudou muito no meu trabalho. E perdemos todos uma pessoa fantástica, deliciosa, com um grande sentido de humor. Foi das pessoas mais completas que conheci. Quando falava da minha cozinha, referia sempre que as doses eram muito generosas, mas acrescentava sempre que ambos éramos pessoas de comer bem...".

Da crítica de David Lopes Ramos, Pedro Nunes fala de uma crítica feita como se de um romance se tratasse. "Ele preocupava-se em fazer crítica gastronómica de uma forma didáctica, nunca derrotista.
É uma perda impossível de reparar. Vem na linha do José Quitério, que instituiu a crítica gastronómica quase como um romance, contando uma história... Mas o David tinha o seu estilo próprio. Fazia isso de uma forma diferente, personalizada. Era sempre um trabalho interessantíssimo."

Também Miguel Castro Silva, chef no restaurante Largo, em Lisboa, lembra o crítico de gastronomia, que era uma referência: ""Era um decano, uma referência como pessoa e como crítico. Era dos críticos mais informados e mais isentos, um grande amante da cultura e dos produtos portugueses. Era comum dar uma volta por Trás-os-Montes para apreciar os produtos da região. Há uma grande ternura por ele".

E para Vitor Sobral, um dos mais conhecidos chefs portugueses, "o conhecimento e a honestidade intelectual" de David Lopes Ramos "vão fazer muita falta":

"Tive o privilégio de conviver com ele fora do trabalho. O David foi das pessoas com mais bom senso e a melhor pessoa que conheci. A vida é um pouco injusta. Não devia ser assim. Sobre o seu trabalho a morte dele deixa uma lacuna enorme nesta área. Mas as coisas não correm como queremos. É um desaparecimento muito repentino. O conhecimento e a honestidade intelectual dele vão fazer muita falta. A nós e aos leitores."

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