Fugas - Viagens

  • António Sacchetti
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Miradouros: Cabo Sardão, a paisagem naturalmente forte e perfeita

Por Margarida Paes

Ao longo de 20 semanas, a Fugas destaca outros tantos miradouros, o nosso património das vistas. Hoje paramos na costa alentejana, no concelho de Odemira.

A cor do mar é um reflexo da cor do céu: uns dias mais azul, outros, mais cinzento, conforme as nuvens. No cabo Sardão, quem olha para o mar tem direito a todos os pensamentos, a todas as invenções. A falésia às riscas pretas e brancas mostra camadas que em tempos tão longínquos se formaram e enrijeceram. Veios brancos em linhas paralelas fazem desenhos com a pouca vegetação que consegue viver na rocha e aguentar o ar do mar.

O que domina a vista, a vista do Cabo Sardão mas também a nossa vista, é o traçado da rocha contínua recortada pelo azul cinzento do mar. Junto de nós cai na espuma do mar em vertical e depois meandra pela costa fora até se perder de vista - para norte primeiro e para sul depois. A composição é a mesma aqui e lá ao fundo: o céu, os grandes volumes de rocha escura, a espuma branca que marca o encontro entre a terra e o mar e a grande superfície azul que liga tudo. A continuidade do traço da costa, a igualdade dos elementos, a perspectiva sem eixo mas visível na costa que se vai reduzindo em linhas paralelas ao mar serão o segredo desta beleza que impressiona o ser humano? É talvez esta unidade de desenho que lhe dá a beleza inigualável face à qual nos perdemos em superlativos como "fantástico", "lindo", "extraordinário",  "sublime"…sem nunca conseguirmos exprimir o que sentimos realmente.

Parados face a este desenho sem autor terrestre (quantos paisagistas não desejariam poder assinar este projecto?), damos melhor conta do movimento lento das vagas que batem na rocha e rebentam em espuma. Uma cegonha branca em voo lento e pairando sobre os abismos de rocha negra atravessa o ângulo do nosso quieto olhar. Comprida e suspensa no ar, parece que tem claro o lugar para onde desliza. Anda a fazer o ninho naquela imensidão de pedra e mar criando no agreste das paredes rochosas, nalgum recanto mais plano, um pequeno ponto conjugal e doméstico para criar uma família. Novo tema para a composição pictórica do cabo Sardão: a cegonha pára e encontra poiso - parece impossível - na parede rochosa, e com os binóculos vimos bem que a casa já vai a meio.

Na descoberta desta paisagem agora mais perto graças às poderosas lentes dos binóculos, fragmentada em ângulos de vista aproximados, aparecem outras aves que o olhar extasiado pela paisagem antes não via. Há corvos marinhos e paira entre o céu o mar um falcão peregrino e lembramos José Saramago, que lhe fez um retrato completo. “Anda à caça, solitário na imensidão do céu, solitário nesta outra imensidão fulgurante da terra, ave de presa, força de seda e aço.” (Saramago, J., Viagem a Portugal, Editorial Caminho, 1985, Lisboa, p.216).

A marca do homem nesta paisagem é recente. É um farol discreto numa torre que sai de um edifício baixo, em três volumes brancos e com telhados. Assenta todo o conjunto sobre dunas e, sendo um farol costeiro, é diferente por não se impor à paisagem. Sóbrio e sólido, com uma torre que, dizem-nos as informações digitais - e acreditamos - tem 17m e se destaca pela cor encarnada e certamente repintada todos os anos para conseguir resistir ao ar do mar. Cumpre certamente a sua função orientadora na noite, mas de dia passa discreto numa paisagem tão forte e tão perfeita.

Cabo Sardão
37º 35' 54,42''N, 08º 49' 04,32''W
Odemira                                                                                             
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