Os cartazes, comparando a ilha que é considerada a Pérola do Báltico à Toscana, a Ibiza, ao Quénia, pareciam excitar ainda mais uma juventude inquieta que vivia com ansiedade eufórica a hora de entrar no ferry.
Destination Gotland.
As letras vermelhas, sobre o fundo branco do barco, não davam lugar a dúvidas na hora do embarque.
O ferry partiu e para trás ia deixando casinhas de madeira, também de vermelho mas mais escurecido, como sangue seco e tão típico da Suécia, muitas delas debruçadas sobre as águas, num quadro de uma quietude sonhadora pincelado, aqui e acolá, do campanário de uma igreja erguendo-se no céu carregado de nuvens ameaçadoras.
Acordei ao fim de quase três horas com a agitação dos passageiros, arrastando as suas malas ao longo do corredor e imitei aquela massa de gente, não na direcção da porta de saída, onde a fila já era significativa, mas para o convés, na esperança de admirar os contornos da ilha. Deixei os meus olhos passear à vontade até que, como se atraídos por um qualquer poder magnético, se detiveram numa figura que fixava a sua atenção no cenário que a envolvia, fumando um cigarro e deixando que uma nuvem azulada subisse no céu onde se acastelavam nuvens mais densas. Com umas calças pintadas de tinta de diferentes cores, com uma camisola de lã que era um prenúncio de Inverno e não dos dias de Verão que se anunciavam, senti uma atracção por aquela mulher tão forte como a que o ferry parecia sentir pelo porto de Visby.
Ao fundo, as torres da cidade prometiam um conjunto arquitectónico por onde tinha vontade de errar.
A minha atracção não era física, a do ferry era manipulada pela mão humana, pela necessidade de atracar com pontualidade.
A lenda
- Este é o meu lugar preferido em toda a ilha. Chama-se Fridhem. Sabes que está associado a uma lenda? Fala de uma princesa com problemas nos pulmões que se mudou para aqui, para gozar do ar fresco.
Eu não sabia nada, nem uma única palavra me apetecia articular, apenas desejava abarcar a paisagem num abraço fraterno, escutando os silêncios que se arrastavam e se misturavam com a respiração, pouco possante, das ondas do mar que lambiam a margem sob um céu eternamente manchado de nuvens. Do que tinha consciência, desde o momento em que avistara, ainda no convés do barco, a silhueta daquela mulher cujas calças faziam lembrar um arco-íris, era de um sentimento de empatia que se insinuou através do olhar e se foi materializando através do diálogo, do convite para baixar ao porão do ferry onde tinha um carro sem pretensões – eu estava pronto para ser despejado, através da boca enorme do ferry e na companhia de uma jovem sueca, no porto de Visby.
- Invade-me um forte sentimento de calma, de liberdade e de paz sempre que desembarco em Gotland. Esta é uma ilha que evoca emoções.
Recordava-me de mais um pouco até chegar a Fridhem: de passar a correr, como um ladrão, pela cidade, com a janela aberta, como se, não a descobrindo à primeira, ela, com todos os seus monumentos, casas históricas e jardins, pudesse entrar com a mesma facilidade com que uma brisa suave se inflitrava na viatura.