Paulo Borges é presidente da associação Círculo do Entre-Ser, inspirada em Thich Nhat Hanh, professor de Filosofia e Meditação, Pensamento Oriental e Filosofia da Religião na Universidade de Lisboa, foi presidente da União Budista Portuguesa e fundador do PAN. Acaba de lançar um novo livro, onde reflecte sobre as origens e consequências da moda da meditação.
Talvez nunca se tenha falado tanto de meditação e de mindfulness no Ocidente como nos dias de hoje. Como se explica este fenómeno?
Penso que tem a ver com o facto de vivermos num momento da civilização extremamente acelerado, em que há imperativos como produzir e consumir cada vez mais, e supõe-se que é assim que se pode encontrar o bem-estar, a paz e a felicidade. Mas o resultado é precisamente o contrário: as pessoas estão cada vez mais sujeitas a stress, a ansiedade e a distúrbios de atenção.
Nos anos 70, o médico Jon Kabat-Zinn estava num retiro budista a praticar meditação quando teve uma intuição: extrair as técnicas da meditação do contexto religioso e torná-las seculares e acessíveis a todos. Desde então, tem-se comprovado que a prática regular tem muitos benefícios e que ajuda a desenvolver áreas cerebrais habitualmente pouco utilizadas, o que tem feito com que a mindfulness esteja a entrar nas empresas, nas escolas, nos cuidados de saúde. Mas todos estes benefícios são efeitos colaterais da meditação, porque ela visa muito mais do que isso: o desenvolvimento integral do ser humano, do nosso potencial cognitivo e afectivo.
A mindfulness está a tornar-se vítima do seu próprio sucesso?
Penso que sim. Como infelizmente tende a acontecer com muitas alternativas espirituais ou metodológicas, às vezes quando chegam ao sucesso arriscam-se a decair e a ser instrumentalizadas para outros fins. A mindfulness está hoje numa encruzilhada: tem obviamente muitos benefícios mas quando se torna mainstream pode haver muitas deturpações da sua vocação original.
As pessoas começam a meditar porque é cool ou está na moda e usam-na para reforçar os mesmos paradigmas de pensamento, o mesmo egocentrismo ou com objectivos que não são necessariamente o bem comum. Mas ela não pode ser divorciada da ética tradicional budista, ainda que essa ética possa ser secularizada. É impossível falar em pacificar a nossa mente e estar mais feliz se não se for, ao mesmo tempo, uma pessoa mais empática, compassiva e solidária.
Lança hoje um novo livro. Meditação, a liberdade silenciosa. Da mindfulness ao despertar da consciência reflecte precisamente sobre estas questões.
É uma reflexão crítica, por um lado, sobre um novo negócio que começa a surgir, muito florescente, em torno da mindfulness. Formações apressadas, dispendiosas, que supostamente habilitam as pessoas a praticarem sozinhas ou até ensinarem. E isso é pouco compatível com a tradição da meditação, na qual não se ensina antes de praticá-la durante dezenas de anos. Hoje há cursos que passam diplomas em oito semanas. A meditação está-se a tornar uma coisa escolarizada. Uma pessoa paga para fazer uma formação e depois tem um certificado para poder ensinar aos outros.