Fugas - dicas dos leitores

Saigão, a cidade errante

Por Maria João Castro - Lisboa

Aterragem em Ho Chi Minh, a antiga Saigão, por volta das sete da tarde. Três milhões e meio de motociclos, um caos aparente, um pulsar de vida por detrás de chapéus em bico e máscaras na cara. Oito milhões de habitantes. Apenas números...

Os monumentos sucedem-se como os dias. Pagoda Giac Lâm, com o seu Buda gigante branco à entrada, o seu templo de madeira escura, polvilhado de incenso e milhares de fotografias com entes queridos mortos que os familiares aqui deixam para protecção na outra vida. Depois, o pagoda Thien Hau, dedicado à deusa do mar, o Palácio da Reunificação, o templo hindu. Pelo caminho, num jardim de vegetação exótica, um helicóptero americano constitui marca de uma guerra absurda que o tempo demora a apagar.

Por fim o mercado. Labiríntico, dividido por secções, como é habitual, é um intrincado de corredores estreitíssimos, onde se come, se vende, se vê televisão, se dá de comer ao filho. Os meus colegas de visita parecem dobrados no seu próprio tédio... olham mas não vêem e isso explica tudo. O céu parece uma aguarela melancólica.

Meto conversa com um homem ao meu lado enquanto saboreio o início da digestão. As lacunas da sua instrução não o impedem de me entender perfeitamente, talvez porque a compreensão que dele emana não resulta da experiência nem do saber mas sim de uma receptividade intuitiva em escutar-me. Ah, dolorosa sapiência oriental que me assombra sem piedade!

Atravessar as ruas mostra-se uma acção de risco: ninguém pára; então há que atravessar devagarinho e de vez em quando parar. As motas e carros desviam-se de nós numa dança de fluidez e equilíbrio. A regra é nunca recuar, só avançar ou parar e assim atravessam-se avenidas, ruas, passeios, num hábito que demora a instalar-se. Depois, às vezes, motas e bicicletas andam pelos passeios, complicando os movimentos e intimidando-nos com a sua indiferença num quotidiano constante.

Notre Dame, edifícios, correios, os cabos eléctricos espalhados pelas esquinas das ruas numa amálgama sem fim. As cargas, roupeiros, aparelhos de ar condicionado, carregados numa simples motoreta fazem periclitar as leis da física.

Último dia em Ho Chi Minh. Delta do Mekong, a oitenta quilómetros da capital. O delta do Mekong ocupa um quinto do país e quando o barco encosta à margem o delta multiplica-se de surpresas. Deixo-me absorver pelo labirinto de pequenos canais de água barrenta, tomando contacto com um ritmo de vida assaz distinto. A água é castanha, não por ser suja, mas por conter muitos minerais e a população vive na (e sobre a) água, em barcos ou em casas sobre estacas.

O acordar faz-se a meio da manhã, num adeus a terras vietnamitas. Para trás ficam dragões, pagodas, gentes e paisagens que dificilmente cabem nesta página.

O guia despede-se, acanhado, na indiferença do aeroporto. Eu sigo o corredor para depois me perder num regresso a casa célere e errante. Há destinos que nos deixam assim...

[FUGAS nº 556 - 22 Janeiro 2011]

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