Fugas - dicas dos leitores

Algarve: As viagens de Jacques

Por Mário Almeida - Vila Nova de Gaia

Jacques é um amigo meu, parisiense, que viaja bastante. Mas não gosta de ser tratado como turista. Há alguns anos convidaram-no a vir a Portugal e meteram-no num apartamento no 8.º andar, de costas para o mar, numa das mais concorridas praias do Sul. Embirrava com a multidão de banhistas, os menus em inglês, a comida estandardizada, as vozes do karaoke que lhe entravam pelo quarto à noite, e as mesmas cantigas que se ouvem em qualquer lado. "Se era para isto, o melhor seria ter ficado em Saint Denis ". "Revoltou-se" e pôs-se a andar, garantindo que nunca mais cá punha os pés.

Jacques desapareceu e das poucas notícias que tive dele soube que andou pelas montanhas suíças, desceu a costa dálmata de Split até Dubrovnik e aventurou-se nas ilhas, demorou-se na pequena Eslovénia, foi aos Cárpatos, ouviu violinos ciganos em aldeias da Hungria, percorreu as praias do mar Negro, não prescindiu do interior da Grécia e da Turquia e até viajou de comboio na Albânia, o país das águias, de Tirana, Durres e Skhodra.

Este Verão, Jacques acabou por pôr fim ao "embargo" e foi ele mesmo que pediu para voltar, sugestionado por imagens das violentas investidas do mar que viu na televisão e também por uma reportagem num canal alemão sobre os mariscadores da ria Formosa. Quando cá chegou, meteu-se no barco e foi ao Farol, esteve também na Armona e interessou-se pelas consequências da investida das ondas que em poucos dias resolveu um problema de anos, por causa das casas contruidas em cima das dunas na praia da Fuzeta. Como a praia está agora muito melhor, aproveitou mesmo para ficar por perto alguns dias. 

Entretanto, fez o que poucos portugueses fazem em férias: encostou o carro e meteu-se no comboio para descobrir um Algarve, sem dois LL, que não é aquele que habitualmente conhecemos. Ficou deslumbrado com a saída de Faro para Olhão e aproveitou a paragem na estação seguinte para iniciar outra etapa. Meteu-se pelos pinhais de Marim, foi ao encontro das salinas, viu garças, cegonhas e maçaricos, e tratou de arranjar uma bicicleta para percorrer as eco-vias que se lhe depararam. Na Fuzeta ficou surpreendido pela beleza e simplicidade da praia e interessou-se pelas obras de prevenção contra novas investidas do mar. 

A curta viagem de barco até à praia abriu-lhe o apetite para ir mais além e o táxi da ria deu-lhe a possibilidade de admirar outros aspectos no Livramento e na Luz. Adiante, achou graça ao pequeno comboio que leva os veraneantes para a praia do Barril, outrora importante centro da pesca do atum, e à hora do almoço foi comer polvo a Santa Luzia. Mas quando lhe apresentaram a imponente cataplana não resistiu e foi buscar uma garrafa de autêntico champanhe que estava certamente guardada para um qualquer outro momento, mais solene mas menos inesperado.

Não vale a pena fazer agora a narrativa mais completa da estadia. De novo o comboio levou-o até Vila Real de Santo António, com outras paragens pelo meio para conhecer Cabanas, a quem chamam o último paraíso, e outros recantos que o deixaram extasiado pelos caminhos que conduzem até Cacela e à Manta Rota, onde termina a Ria Formosa. 

[FUGAS nº 542 - 2 Outubro 2010]

--%>