Fugas - dicas dos leitores

Visita a Stratford-upon-Avon entre flores selvagens

Por Jorge Costa - Castelo Branco

Algumas milhas a sul de Birminghan, no condado de Warwickshire, em Inglaterra, espera-nos a cidade mercantil que foi buscar o nome à ponte romana sobre o Avon. À entrada, os barcos estreitos cobrem parte do canal que aqui termina e se junta ao rio.

Palco de lutas entre católicos e protestantes, a terra onde em 1564 nasceu o poeta e dramaturgo William Shakespeare vive hoje do turismo. Entre as crofts e cottages ligadas ao escritor e à família, destaca-se o local de nascimento do terceiro de oito filhos de John Shakespeare. No início da Henley Street, das mais antigas do burgo medieval, a estátua de um "nobre e digno" tolo aponta-nos a residência que chegou a ser estalagem. Em redor, sobressaem as moradias de tijolo com chaminés altas e telhados inclinados, e as habitações rústicas em estilo Tudor de portas estreitas, janelas pequenas e vidros irregulares, e cujos pisos superiores, com travessas de esquadrias variáveis, invadem a rua e desafiam a gravidade.

Atravessado um alpendre, nos três andares da casa recria-se o ambiente da época, das roupas dos guias à produção de luvas na oficina do patriarca, fabricante de artigos em couro e negociante de lã. No edifício ao lado, um japonês, perdido do grupo, deambula entre salas e portas na mostra automatizada sobre a vida e obra do mais célebre poeta inglês, a qual persiste em fazer-nos avançar pela esquerda.

No jardim, criação posterior, vêem-se muitas das flores selvagens referidas nos sonetos de Shakespeare: margaridas, agriões-dos-prados, narcisos-de-trombeta, violetas, acónitos, rosas mosqueta, primaveras, trevos ou campânulas. O gosto britânico repete-se nos vasos pendurados junto às portas, nas floreiras dos parapeitos ou num antigo bebedouro em pedra, colorindo as ruas e interrompendo o branco escasso de algumas lojas e pubs onde as linhas divergem e a luz se escapa.

Atravessamos a cidade velha. Uma montra lapónica adianta-se ao Natal, enquanto alguns hotéis aceitam reservas para a consoada. Pitoresco, ou não estivéssemos em Julho. Na fachada da escola preparatória, uma placa anuncia a abertura das aulas. Ao lado, a casa de Susanna, filha mais velha de Shakespeare, mantém a magnólia original.

Perto das margens do rio, na Holly Trinity Church, onde o poeta foi baptizado e sepultado a grande profundidade, um epitáfio amaldiçoa quem tente roubar os ossos do bardo de Avon. Algo irónico após caminharmos junto a tumbas protegidas por arbustos e raízes centenárias, e sermos acolhidos por uma placa onde se lê "Shakespeare Grave Inside OPEN".

De regresso ao berço do escritor, observando a vegetação através da janela onde os visitantes rabiscavam os nomes, pergunto-me se aqui terão germinado alguns dos versos e frases célebres como "To be or not to be", imortalizada nos diálogos de Hamlet. É pouco provável, já que Shakespeare só viveu em Stratford nos primeiros vinte anos, antes de a trocar por Londres, e nos últimos cinco de vida. Ainda assim, eis a questão.

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