Fugas - dicas dos leitores

Em Góis

Por Céu Mota - Santa Maria da Feira

Foi o fim-de-semana que coincidiu com o Dia dos Namorados e passou-se "Longe, longe da cidade", saboreando o arroz de lampreia preparado carinhosamente no Panorâmico (Penacova), sentindo o frio intenso, a chuva e o vento, e vendo que o Carnaval, este ano, era surpreendentemente branco.

Góis foi um agradável acaso. Tal como um grande amor pode surgir de uma casualidade ou duma resposta inesperada.

A vila de Góis, perto de Lousã, é "sem data nem tempo", tão remota como o reinado de D. Teresa; tão consumida como a sua ponte manuelina de três arcos que une os dois lados do rio Ceira; tão única como a fonte revestida de azulejos hispano-árabes do século XVI, que se encontra no Largo do Pombal.

Neste mesmo largo, encontrei razões para não dar razão ao Principezinho quando este diz à sua amiga raposa que "O essencial é invisível para os olhos". O amor torna-se mais visível no Dia dos Namorados (com uma rosa, um postal...). Em Góis eu vi-o, ouvi-o e li-o.

Primeiro foi a concertina tocada com prazer... Vinha (por acaso?) da casa em frente à Escola de Concertinas e Violas de Góis, na Antiga Rua da Igreja (provavelmente seria alguém do Grupo de Concertinistas de Góis?). Os habitantes desta vila devem ser mais felizes às quintas (o dia das aulas na escola) porque o som destes instrumentos deve ouvir-se por todo o centro de Góis... e no Verão então?! As janelas aí que se abrem de par em par para também nas casas a concertina entrar.

Depois reparámos em duas meninas sentadas no mesmo degrau, viradas para o mesmo lado, numa escadaria a olhar para a igreja. Não teriam mais de doze ou treze anos. Imaginei, porque envolvida pelo espírito de São Valentim, que cada uma delas escrevia ou lia um e-mail amoroso que as deixava indiferentes ao frio, num amor adolescente abençoado por Deus!

Finalmente, enterneceu-me a casa amorosa baptizada com o n.º 4. É, com certeza, o refúgio de um artista fugido à agitação da cidade grande, onde o Dia dos Namorados se passa "Para sempre neste lugar" junto à lareira. As paredes caiadas tornaram-se as folhas brancas de papel e a tela onde essa criatura pintou, virtuosamente, umas flores lilases e onde escreveu versos da sua autoria.

Aqui debaixo, donde lhe admiro o talento, não sou capaz de lê-los. Foram pensados para aqueles que têm o privilégio de serem chamados a subir ao primeiro andar. Porém, com a sua alma generosa de artista, dedicou também umas linhas a rimar a todos aqueles que não transpõem a porta: "Pedras soltas sem cimento/ Pedras sem data nem tempo/ Casa que fala verdade/ Para sempre neste
lugar/ Longe, longe da cidade".


[FUGAS nº 535 - 21 Agosto 2010]

--%>