Fugas - dicas dos leitores

Hampi, o reino mítico dos vanara

Por Isabel Brás

Quis o destino que chegássemos a Hampi. A 26 de Dezembro de 2004, o tsunami do sudeste asiático varre as praias do sul da Índia, onde aterramos dois dias depois. Empurrados pelos resquícios da catástrofe para o interior do país, acordamos estremunhados e exaustos no Estado de Karnataka.

Aos tombos, saímos do autocarro para um cenário ocre e irreal. Enormes pedregulhos graníticos equilibram-se sobrepostos dando origem a centenas de montanhas plantadas em verdes arrozais. Arrastados por uma torrente de peregrinos carecas e vestidos de negro, desaguamos na Bazaar Street, a rua principal e o epicentro de Hampi, coroada pelo majestoso templo de Virupashka.

Situada nas margens do rio Tungabhadra, a vila de Hampi ocupa parte das carismáticas ruinas da antiga cidade de Vyajnagar, fundada pelos príncipes Hakka e Bukka em 1336. No século XIV, a "Cidade da Vitória" usufruía de uma posição territorial privilegiada, era pródiga na cultura do algodão e afortunada no negócio das pedras preciosas e das especiarias. Seduzidos pela abundância local, os príncipes guerreiros aqui edificaram templos, palácios, mercados, aquedutos e até um templo musical, o Vithala Temple Complex, onde 56 pilares emitem 56 sons diferentes ao serem tocados. Tudo isto construído, obviamente, no material local: o granito.

É a vaguear que nos dias seguintes descobrimos os sítios mais incríveis. Os mapas são guardados na mochila e sem eles chegamos aos Estábulos dos Elefantes, aos Banhos da Rainha e ao Templo de Lotus, que, em bom estado de conservação, proporcionam um agradável recuar aos tempos de glória desta cidade. Os melhores passeios acontecem pela manhã. O sol da tarde é intenso e as rochas irradiam um tal calor que a única solução é dormitar debaixo da primeira árvore que se encontre à beira do rio.

Sendo um local de peregrinação, e de turismo, é possível encontrar em Hampi o essencial para um par de dias bem passados. Não há hotéis de 5 estrelas, nem resorts mas abundam as guest-houses, os restaurantes despretensiosos e o artesanato vendido em cima de panos coloridos estendidos no chão.

Seguindo as indicações de um amigo, atravessamos o rio, num misto de medo e euforia, acocorados num cesto redondo. - Não se preocupem -, diz, a sorrir, o jovem que nos conduz remando com o chinelo. E lá vamos, à confiança e a rodopiar.

Na ausência de pontes, os cestos são o meio de transporte que utilizamos para chegar a "casa" e a templos cujo acesso é apenas possível através da água. Instalamo-nos numa guest-house rodeada por bananais brindados pelo som da água cristalina que cai numa cascata ali perto. Ao longe, avistamos o topo dos 49m do templo de Virupashka na Bazaar Street, e do lado oposto a montanha de Rishyamuka, onde viveu exilado o rei Sugreeva, acompanhado pelo seu mais belo e inteligente ministro, Hanuman.

Nem só de História vive Hampi, Hampi vive também do mito. De acordo com o Ramayana, um dos maiores épicos hindus, foi nesta zona que existiu o lendário reino de Kishkinda onde viviam os Vanaras (do sânscrito literalmente: humanos com caudas de macacos). Hanuman, o deus da devoção, é um dos protagonistas dessa história de encantar. Ver o pôr do sol, rodeado por macacos, ao lado do seu templo no topo da montanha de Rishyamuka é essencial se por aqui se passar. É, aliás, à luz do entardecer, quando um coro de sapos coaxa nos arrozais, que melhor se conseguem distinguir os contornos destas mágicas montanhas graníticas.

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