Fugas - dicas dos leitores

Ayuthaya, o retiro de ruínas clarividentes

Por Maria João Castro

Lisboa, Paris, Bangkok. Pontos de passagem até Ayuthaya, a 86 quilómetros de distância da capital da Tailândia.
No ramerrame do automóvel, retenho pouca da informação que o guia Kris vai debitando, monocórdico. Durante quatro séculos e até meados do século XVIII, Ayuthaya foi a capital da Tailândia e uma das cidades mais esplendorosas da Ásia. Hoje, o que resta dessa gloriosa urbe são as suas magníficas ruínas dos templos e palácios que remontam a 1350, ano em que a cidade foi fundada. Os vários templos e ruínas espalhados por Ayuthaya têm o carimbo de Património Mundial, dado pela UNESCO. 

A descoberta deste lugar é feita por entre gardénias, calor e humidade. Nessa manhã luminosa, a visita começou pelo belíssimo Wat Chai Watthanaram, um templo construído em 1630 que possui um prang (torre circular) central rodeado por oito menores, decorados com baixos-relevos. Os pássaros acompanham-nos a subir os seus degraus íngremes, enquanto os morcegos nos espreitam dentro da torre. Ao centro uma imagem de buda e alguns incensos ardem perante a impassividade da paisagem circundante. O tempo fica suspenso. O verde preenche e recorta as pedras avermelhadas de todo o lugar. 

Segue-se Phra Ubosot com a sua estátua dourada de buda, a Cerca dos Elefantes e o singular Wat Maha That com a sua cabeça de buda de pedra preso nas raízes de uma figueira velha. O tijolo do chão, enegrecido pelo tempo, parece ranger à nossa passagem. 

Segue-se Wat Phra Si Sanphet com chedis que alojam os restos mortais dos monarcas que os mandaram erigir. Quase todos estes templos, palácios e torres que perfazem Ayutthaya foram saqueados pelos birmaneses no século XVIII e apesar de parcialmente restaurados, estes wats encontram-se feitos em ruínas que ainda mantêm uma grandiosidade imponente. 

Um longo raio de sol atravessa todo o templo sem urgência. Já não sou capaz de ouvir a música que se desprende da prosa de Kris e abato-me sobre a cadeira do restaurante, cansada. 

Depois de retemperadas as forças com um belo repasto, visito o Phra Chedi Mongkhon, complexo flanqueado por corredores repletos de imagens de buda sentado. As estátuas, envoltas em panos amarelos dourados parecem avivar o lugar de pedra e terra.

É tempo de descanso. Sesta. Chuva. Monções. O som dos insectos é quase ensurdecedor. Alguns velhos móveis jazem abandonados debaixo de uma fina camada de pó. Agulhas de luz poeirenta caem na diagonal para desaparecerem sob o chão de madeira da ampla sala. Sob uma mesa, dois lugares postos para jantar e debruçados à beira de uma ribeira lamacenta encimada por uma ponte que range. Uma corrente retardada de brisa sopra pela divisão emadeirada. Enquanto a noite cai devagar o café repousa pronto a ser bebido. 

Adormeço sob um céu salpicado de estrelas e manchado de nuvens, num quarto agradavelmente confortável e quente. Lá fora, as folhas sibilam como serpentes na escuridão de Ayuthaya, lugar para onde se retiraram as ruínas clarividentes.

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