Fugas - dicas dos leitores

Granada, a evanescente

Por Maria João Castro, Lisboa

Novo dia. O amanhecer espreita pelos intervalos das cortinas. Depois de um pequeno-almoço retemperador e investida de um novo espírito é tempo de visita à pérola andaluza chamada Alhambra, ou o monumento mais visitado de Espanha e que é hoje Património da Humanidade. Alhambra significa fortaleza vermelha, aludindo a cor dos tijolos de que é feito e, como todos os palácios mouriscos, foi desenhado visando uma vida agradável, de cultura e lazer.

É preciso não esquecer que o Alhambra foi construído como uma cidade: ele é um forte (alcazaba), um palácio (alcazar) e uma cidade (medina) onde habitavam as populações do califado. Expressão da riqueza em que os sultões nazaries viviam antes da reconquista cristã, esta construção é uma história de amor, de guerras e aventuras, erguida a setecentos e noventa metros de altitude. Em camadas de tempo, o expoente máximo da arte islâmica no Ocidente, foi mandado construir no século XIII e só dois séculos depois foi concluído. Procurando apagar uma imagem de declínio do poder, os califas criaram neste palácio o que entendiam ser o paraíso na terra e embora tenham sido utilizados materiais humildes (gesso, azulejos e madeira) todos foram trabalhados com tal mestria que ainda hoje deleitam quem ciranda por aqui.

No meio de sebes de mirto e delicadas arcadas, a água do tanque central reflecte a luz nas salas circundantes. As cúpulas mouriscas, frequentemente simples vistas do exterior, apoiam-se em complexas nervuras no seu interior e o rendilhado decorativo é de uma pujança soberba. É fácil imaginar o gotejar da água musical misturado ao leve rumor das conversas, em terraços inundados de sol.

A combinação do perfume das laranjeiras, glicínias, jasmins, rosas e ciprestes, espalhados pelos seus jardins, inebria os sentidos. Um idoso toca flauta: a melodia desenha sonhos alheios no ar abafado do fim da manhã, enquanto vagueio sozinha por entre a penumbra desta terra de sossego e de murmúrios.

A muralha, com as torres pujantes, onde outrora princesas e aias foram encarceradas pelo sultão, acompanha o palácio de Vera - o Generallife. Um breve sopro acaricia o lugar, enquanto o tempo escorre devagar, na suavidade de uma paz reencontrada.

Ao fundo, o Bairro do Sacromonte, onde outrora viviam os ciganos. Eles representam o lado mais indomesticável e livre da vida que perdemos, o caminho do qual nos desviamos, para nos perdermos na artificialidade do que alcançamos. Ideia romântica ou reflexo do cansaço desta sociedade Ocidental demasiado homogeneizada e insípida?

À saída, uma escada por onde a água escorre, suavemente, envolve a ambiência numa mansidão lânguida. Obra-prima da arquitectura árabe que melhor soube captar o espírito desconcertante e mágico de um tempo que há muito aceitara o seu fim. Talvez tenha sido o sentimento iminente de finitude e término de uma época que concedeu ao último sultão em Granada, Boabdil, a urgência em evocar a sua qualidade perene e incontornável. Resta-me La Alhambra1 na mochila, para esmiuçar histórias e lendas de um espaço ilusionista num tempo abastado de minucia.

De Granada me despeço: uma cidade onde espero voltar, pois muito ficou por explorar e as obras ininterruptas do aglomerado em nada ajudaram a prolongar a permanência; Granada está a mudar mas talvez não haja como evita-lo, uma vez que as únicas cidades que não mudam são as que já morreram.

1 Washington Irving, Cuentos de La Alhambra, Miguel Sánchez editor, Granada, 1951

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