Fugas - dicas dos leitores

Catedral de Glasgow

Catedral de Glasgow

Glasgow, a cidade policroma

Por Maria João Castro

Por entre a amplitude do céu e a movediça arquitetura das nuvens, inicio-me nas ruas do centro de Glasgow. As imagens sobrepõem-se, enfatizando o burburinho e a confusão do quotidiano escocês - os anos ainda não engoliram as casas antigas, nem as trocaram por outras de cimento frio.

Começo a surpreender-me com as cores das flores e da relva pelas ruas: são de uma intensidade irreal, sugerindo terem sido pintadas à mão com tintas puras e pouco aguareláveis.

Empurro a porta pesada da catedral, que range indelicada. Foi uma das poucas a escapar à destruição durante a Reforma escocesa, constituindo por isso, um exemplo quase intacto de uma igreja do século XIII. O seu interior é simultaneamente gélido e acolhedor. Iluminada por uma luz filtrada pelos esplêndidos vitrais que rasgam as suas paredes, todo o espaço é inundado por uma música beata que se desprende do órgão altaneiro. Cheira a antigo e a incenso. Sento-me. A pedra e o vitral. A força tranquila do despojamento, da austeridade religiosa que convida ao recolhimento. Levanto-me e desço até à cripta magnificamente preservada e que se assemelha a uma floresta de pedra. Só a escuridão ilumina o piso subterrâneo. Um odor a mofo desprende-se dos cadeirões enflorados que dormitam a um canto, restos esfarrapados de uma cerimónia devota.

Saio do templo parcamente iluminado pelos interstícios para a claridade da rua. Deixo-o vigilante, imóvel, corpo feito de pedra e polvilhado de uma melancolia religiosa que lhe assenta com grande mestria. O renque de árvores que se estende a meus pés desagua nas lápides da Necrópole. As lajes, invadidas pelo musgo, permanecem à sombra do arvoredo frondoso, mergulhadas no seu mutismo sepulcral, cenário encastrado numa natureza de ruína.

Repego no mundo e caminho em frente. A cidade apresenta-se nos seus diferentes rostos. A zona circundante, entrecortada por ruelas estreitas, revela uma singularidade quase musical. A unicidade do conjunto desemboca numa avenida larga e comprida, bordada a relvados de um verde vivo. Semelhante a uma fita ao vento, o cheiro a relva acabada de cortar estende-se com doçura pela desinquieta rua.

Retomo a diversidade das ruas de Glasgow, a multicultura e o acaso. O giro cirandeia por uma via enfadonha onde um quarentão toca gaita-de-foles. Chove agora.

No edifício anódino do hotel, de grossa pedra e onde as paredes empalidecem ao ritmo da estação outonal, um homenzinho de amável sorriso recebe a chave do quarto.

Deixo a Hope Street sob o ar lavado de uma manhã clara de domingo. Glasgow vai ficando para trás, à medida que atravesso o rio Clyde em direção a Prestwick. Do rádio desprende-se uma melodia celta. As luzes apagam-se; é altura de abandonar-me às imagens da tela escocesa, prolongando até ao filme o meu olhar.

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