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A fábrica das neves

Por Carina Padilha

A fábrica das neves da serra da Lousã, no lugar de Santo António da Neve, concelho de Castanheira de Pera, é uma das mais antigas fábricas das neves de que há memória — no entanto, não se consegue identificar concretamente a sua idade.

Habitualmente conhecidos como “neveiros”, os depósitos, de forma circular, serviram para armazenar e compactar a neve que depois era transportada para Lisboa, onde satisfazia os desejos gelados da corte.

A sua construção é feita em pedra de xisto e barro, à semelhança de toda a arquitectura desta serrania. E estão cobertos por abóbadas de pedra em forma de sino achatado. Apresentam uma pequena porta para nascente, como que para evitar que, quando o sol fosse mais forte, pudesse entrar e derreter a neve ali guardada. Apresentavam uma profundidade de dezenas de metros e tinham acesso por uma escada de mão.

No seu interior, os homens, com um grande cepo, calcavam a neve, à semelhança dos calceteiros de hoje, até que ficasse compacta num bloco de gelo, que cobriam com palha e fetos para que assim se conservasse. A recolha de neve era feita por mulheres e crianças, que a carregavam em pequenas cestas até aos depósitos. A azáfama era grande na época das neves e por isso vinham, contratados à jorna, habitantes de todos os lugares vizinhos.

O transporte era feito em carroças por estradas mal pavimentadas até Constância, onde os blocos de gelo eram mudados para barcaças e seguiam por essa via até ao Terreiro do Paço, em Lisboa. A neve era muito bem acondicionada em serapilheiras e caixotes, mas claro que muita se perdia pelos caminhos tortuosos.

Este transporte era acompanhado de protecções legais, que obrigavam os povos dos lugares deste trajecto a prestarem auxílio com rapidez, bem como a facilitarem a passagem da neve pelas portagens existentes na altura.

Registos mostram que, em 1782, se vendia neve no Martinho da Arcada, que em tempos se chamou “Casa da Neve” por isso mesmo. Há outras notícias da existência em Lisboa de poços destinados a armazenar a neve.

Houve poços no bairro da Graça e até a torre Norte do Castelo de São Jorge, do lado da Calçada de Santo André, sofreu obras para ser transformada em depósito de neve. Mais próximo do século XIX, a venda de neve foi difundida por vários botequins da capital, para satisfazer a alta burguesia da época, o que ajudava no sustento das gentes pobres da serra da Lousã, que se tornaram devotas de Santo António e a ele rezavam para que nevasse, pois desta recolha obtinham um importante e valioso sustento.

A fábrica da serra da Lousã era composta por sete neveiros, que são exemplo da determinação e coragem deste povo serrano. Hoje restam três bem conservados.

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