Fugas - dicas dos leitores

Levar o PÚBLICO ao mar Morto

Por António Jacinto Pascoal

Há muitas formas de visitar Israel: uma é ficar sentado em frente do televisor, assistindo a notícias, já sem novidade, que nos cercam de violência explorada pelos media e nos afastam de uma outra realidade. Outra é ir lá, de preferência sem palas nos olhos, sem ademanes de turista e com humildade de viandante.

Israel, contra muitas expectativas, é um dos países mais seguros, acolhedores e pluralistas deste nosso mundo. Por certo cheio de contradições a que não se furtam os próprios israelitas — quem são, afinal, os israelitas, senão uma massa de gente diversa e indeterminável, caldo de culturas e estilos, de população errante e inesperada? —, o país das míticas Belém (sob autoridade palestiniana) e Jerusalém (sob autoridade israelita) sobreleva os encantos empacotados dos guias Michelin e American Express, para se apresentar por detrás de ortodoxias religiosas e heterodoxias laicas, resolvidos os dilemas, num quadro social algo difícil de emoldurar. Estamos muito para além de um país do rótulo a que o querem colar com a violência dos colonatos e de Gaza, as evidências dos muros por tudo quanto é lado, a mascarada do sangue palestiniano (que dizem ser mais vivo do que o sangue israelita).

Deixemo-nos levar no metro (entrados, por exemplo, na rua de Jafa, estação Central) e rolar até à estação King George, metidos num maralhal de gente simpática que nos entrega o bilhete para o obliterarmos (um bom português só oblitera à vista do revisor) e nos pergunta que língua é a que falamos, porque lhe soa bem. Metemos depois a butes pela King George V e enfiamos para a Ben Yehuda onde nos espera o centro do mundo — o centro do mundo é sempre aquele lugar de todas as cidades onde vemos, ouvimos e cheiramos de tudo, os espectáculos de rua sucedem-se, as surpresas acabam por ocorrer, entre gente que fuma nos narguilés, se afoga nas adocicadas Goldstar (cerveja), beberica um qahwa (café árabe) ou simplesmente deambula em pares, famílias numerosas, a sós — muitos sorrisos estampados no rosto e alguma cortesia a que, como lusitanos, nos desabituámos. Podemos procurar os cartões postais costumeiros (rapazes com kippah na cabeça são mato, judeus ortodoxos de trança e chapéu de aba larga há-os aos magotes, famílias desprevenidas não são nada raras), mas há uma energia de cidade que não se fotografa nem se deixa representar. Jerusalém, um pouco como Roma, talvez Barcelona, veste uma dessas almas esquivas.

Mas pode-se ser menos criterioso em Israel. Depois de uma fuga para um kibbutz do Norte (Beit Lohamei Haghetaot, ou seja, o kibbutz dos combatentes do Gueto de Varsóvia, cujo museu se aconselha vivamente — à semelhança do impressionante Yad Vashem de Jerusalém), pode regressar-se ao centro do país, subir-se a Masada e relembrar o cerco romano em ecrã de 70mm, com Peter O’ Toole, e, finalmente, desembocar nos barros (“acima, acima gajeiro…”) das praias do mar Morto, que é um lago a 411m abaixo do nível do Mediterrâneo, onde é possível estupidificar, se é isso que se procura. Caso estejamos prevenidos, há sempre um jornalinho português de prevenção para evitar o retardo mental. É que, por mais que nos queiramos afundar (na nossa própria estupidez), nem as águas nem o PÚBLICO nos deixam cair nessa tentação. Obrigado a ambos. E à família.

--%>