Deste conta que eu também tenho a minha Time Out ? Que só 36 cidades no mundo inteiro são projectadas nessa janela de visibilidade e em Portugal, neste pequeno far-west da Europa, até somos duas? Será que usufruímos entre nós duas dessa mútua descoberta que outros fizeram por nós?
Apetece-me recuperar a tradição dos postais ilustrados, enviados por correio com os selos para coleccionar! São agora raridades perdidas à superfície da Terra, enquanto as mensagens e as fotos circulam em velocidade instantânea pelo ciberespaço. Pois vou-te mandar apontamentos do que por aqui se passa em pequenos flashes e espero retorno...
1.º postal: Da Antiga Cadeia da Relação à Ribeira
A chuva de Fevereiro, a cair intermitente, convida a percursos de interior.
Na antiga Cadeia da Relação, um “edifício indefinidamente pombalino” e “preciosamente triangular”, com traça de Eugénio dos Santos, onde sobre efemérides românticas da detenção de Camilo Castelo Branco foi instalada a sede do Centro Português de Fotografia.
O núcleo museológico contém a enorme exposição permanente de material fotográfico de António Pedro Vicente. Actualmente exibe as impressionantes imagens a preto e branco de Gervasio Sanchez, o premiado fotógrafo e repórter de imagem dos genocídios, em vários continentes, ao longo de três décadas, que nos congelam por dentro com os horrores da barbárie humana : Serra Leoa, Ruanda, Bósnia, América Latina, Guerra do Golfo. Aguentar fazer tal registo é de uma coragem e resistência psíquica quase sobre-humana. A barbárie e a desumanidade sem possibilidade de negação.
Ao sair apetece seguir a lei do menor esforço para descarregar a tensão acumulada, vaguear sem pensar, deixar que a força da gravidade nos conduza até ao rio , sempre a descer. No percurso sacudir os pensamentos do miradouro da Vitória: contemplar a serenidade da água do Douro ajuda a dissolver o peso dos pensamentos.
Descendo sempre, passamos as antigas escadas da Esnoga (Sinagoga) e no Largo de São Domingos aparece-nos o Palácio das Artes e a surpreendente loja criativa do designer de interiores Paulo Lobo e a Feira Franca dentro do próprio palácio cheia de criatividade e diversidade. Ficaram-me as imagens dos seus biscoitinhos verdes com alga Chlorella , seguramente um alimento do futuro.
A descida acaba junto à água. O Douro. Mergulhamos o olhar na Ribeira cheia de cor, de recantos, de pequenos bares e esplanadas, de barcos atracados, a ponte centenária de ferro de Eiffel, um metro a passar por cima. Os olhos prendem-se nos reflexos na água. Distrai-nos o olhar.
O frio de Fevereiro, o mês que “mata a mãe”, agora ao pôr do sol gela as mãos e a cabeça. Uma cabine telefónica vermelha, à inglesa, serve de abrigo momentâneo para tentar um sketch da ponte.
As mãos ficaram quase paralisadas. Valeu o recurso a um fogareiro a gás num pequeno café debaixo das arcadas , a olhar o rio já de noite, as luzes da outra margem reflectidas na água escura, brilhando mais à medida que o lusco-fusco se foi adensando, a beber um chá verde tão quente como a atmosfera de hospitalidade.
As luzes dos bares foram-se acendendo a anunciar o acolhimento para a noite fria. Esplanadas com as suas chamas de calor, novos hotéis ribeirinhos, a respeitar inteiramente as características desta zona, agora Património Mundial daUNESCO, dão vida a uma área privilegiada pela sua paisagem cheia de recantos a explorar. De dia ou de noite...