Fugas - dicas dos leitores

Alexander Demianchuk/Reuters

Noites brancas em São Petersburgo

Por Jorge dos Santos Forreta

São Petersburgo: trezentos anos, cem ilhas e quatrocentas pontes, os canais são o sangue da cidade.

O Transiberiano partia daqui rumo a Vladivostoque, oito fusos e todos os comboios pelo fuso de Moscovo, complicado isto dos parafusos. Do Báltico ao Pacífico, atravessando as estepes geladas, muitos, deportados, ficaram a meio.

Cheguei no Flecha, manhã cedo. Em Junho, dias do solstício, a cidade não dorme: são os festivais de jazz, a ópera e o ballet Kirov, o jantar que podia ser de manhã, asolyanka de peixe e natas azedas, a vodka e a galinha picante, as noites, brancas...

As balalaicas e a fácies retesada e sofrida da babushka que esmolava, não esquecem os 900 dias de Leninegrado: um milhão sucumbiu ao frio, à fome e à Luftwaffe, a batata amontoava-se no Sangue Derramado e tudo o que era consumptível, animal doméstico ou nem tanto, foi partilhado.

O requiem de Chostakovich, Estaline destruiu a cidade, a operação Barbarossa colocou-lhe o ponto, a solução final.

Por cá, Salazar Neutral recusa a entrada a centenas de judeus, guia de marcha para Treblinka. Lisboa, capital do império, vende de tudo, e a todos, mesmo se contrabandeado. Londres celebra o fornecimento de 150 milhões de latas de sardinha, as gentes setubalenses agradecem, os conserveiros rejubilam!

Mas o defeso foi longo, abunda o carapau e a sardinha escasseia...

O Ganda foi torpedeado e afundado, muitas das latas contêm apenas água, joga-se à cabra-cega.

Ainda acusam o Gineto, raios partam o Maquineta: deu o berro, a água cai a fio! Preciso desse banho, mergulhei com os morsas no Golfo da Finlândia, morro enregelado!

A catedral de St. Isaac domina a cidade, os turistas acotovelam-se para admirar as pedras preciosas e subir à cúpula dourada. Saio para a Millionnaya, a rua dos milionários onde, mesmo aí, preferem os euros aos kopaks para pagar os blinis de rua, supostamente recheados de caviar.

The bean king, absinter drinker e o boi a olhar o Palácio de Inverno e a magnitude verde-menta do Hermitage. Matisse e a dança, assisto ao Kirov, no Mariinsky.

A Nevsky impõe o ritmo: animação de rua e circo, cafés e teatros cheios, o bazar, imponente, e a elegância da arcada Passazh, os canais e os barcos num vaivém constante; e o estilo: barroco, neoclássico, art nouveau, aqui, moderno.

A brisa refrescante do Golfo ameniza o intenso calor. No cruzamento com o canal Griboedova, pescadinha de rabo na boca, os turistas boquiabertos com as cúpulas bulbosas de Spas-na-krovi (Igreja do Sangue Derramado) e os carteiristas fixados no rabo e nos dólares daqueles.

Caímos no Café Literário, lanchámos mal e mal lanchámos, pagámos bem. De lá saiu Pushkin, presenteado por d’Anthés que damejava a bela Natalya, Grão-Mestre da Sereníssima Ordem dos Cornudos. Não gostou, o desfecho conhecido.

Um tiro e basta. Subi com a minha mãe a escadaria do luxuoso restaurante. Parou uma limusina e saíram uns gorilas de negro, a cena repetiu-se meia dúzia de vezes, agora com kalashnikov para compor o ramalhete.

Olhámos a lista, ao lado uma jarra com duas flores azuis. Superstição russa, número par de flores, associam eles a funerais... Estão certos, não sou o Golden Eye e já vi o filme, deixo o jantar às máfias russas.

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