No centro do arquipélago dos Açores, o Pico domina o conjunto de ilhas à sua volta. De todo o lado se avista, de toda a vista se esconde: neblinas, nuvens, névoas circulam, deslizam, pousam... Se ao pôr do sol desaparecerem só a sua silhueta negra se impõe contra um céu em fogo lento.
Rocha negra, pedra pomes, beira-mar que é beira-rocha, em tudo se identificam as entranhas donde vieram. Se caminho um pouco mais, descubro o verde sobre o preto, folhas enraizadas sobre uma fenda na rocha nua! Planta de um verde claro, folha espessa, a reter a água da vida, cor que vibra contra o negrume do chão. Onde está a terra mãe? Aqui é a rocha mãe.
Vulcões, crateras, lagoas, enseadas, faldas quase a pique sobre o mar, tudo são sinais de fogo, do fogo que brotou um dia de dentro da Terra, atravessou a espessura do mar sem ser apagado e deixou um rasto de ilhas, uma força da natureza no meio do Atlântico que lança enormes desafios para a sobrevivência.
No Faial, nos anos de 1950, uma erupção inesperada brotou do fundo do mar: um filme ao vivo de como nasce uma ilha destas. Acrescentou um bocado à freguesia dos Capelos, a oeste, como que empurrando o mar. Depois do susto até o nome do novo vulcão o tornou familiar: Capelinhos. Adoptado, portanto. E sossegado, até hoje, depois de um ano a deitar lavas e cinzas.
Subimos agora à cratera apagada, de vertentes nuas, negra de breu. Tão árido, tão geológico, sinto-me a caminhar sobre as entranhas expostas da Terra. O olhar desperta para uma única mancha minúscula e verde vivo de uma planta. Paro, baixo-me, toco-lhe. Fascina-me a prova de força da vida vegetal nesta paisagem lunar.
O Museu dos Capelinhos esclarece o que a ciência pode descrever, a posteriori, a imprevisibilidade mantém-se. Um privilégio científico, para os geólogos da época, ter assistido e acompanhado o parto de um vulcão, em directo, ali adiante no meio de mar, tão perto de terra que o volume de matéria expelida acumulada o ligou à ilha. O farol, soterrado na base pela lava, manteve-se de pé e continua activo! O nível do solo subiu até ao primeiro andar, o rés-do-chão desapareceu para sempre. Subir as altas escadas de caracol ganha aqui uma emoção especial e permite-nos contemplar de cima um recém-parido pedaço de ilha.
Nesta ilha do Faial, a enseada da Horta merecia estar assinalada nos atlas com um sinal especial de trânsito marítimo pela sua marina universal, onde entram em serena e permanente circulação veleiros e iates do mundo inteiro. Desde 1918, quase há um século, o avô que fundou o “Café do Peter” mantém-se projectado no neto, a receber e servir centenas de homens e mulheres, navegadores de hoje, que atravessam os mares e param neste local, todos os dias, como numa estação de serviço e de acolhimento, obrigatória no meio do Atlântico. Aqui aportam, tisnados e felizes, a beber uma cerveja, a provar lapas grelhadas ou a sopa de peixe... e depois a deixar mensagens, flâmulas, bandeiras, que cobrem as paredes em camadas coloridas, extravasam a superfície disponível e originaram o museu alusivo instalado no primeiro andar. Do Peter não nos despedimos sem beber um gin tónico, o melhor do Oceano Atlântico!
A Horta tornou-se um lugar mítico para as rotas dos iates e veleiros. As marcas da passagem pintadas nas paredes da marina já revestem os bancos de cimento, toda a superfície disponível, às centenas, sobrepostas, universais, coloridas... Damos a volta ao mundo se as quisermos ler todas! A câmara de Angra faculta tintas e pincéis. Levantamos os olhos a descansar de tanta emoção pintada e olhando ao longe vem ter connosco o imponente perfil do Pico a marcar o horizonte, envolvido em névoa, no longe do mar. Voltei no outro dia ao nascer do sol... merecia outra visita, tanto pedaço de alma que atravessou os mares e se colou aqui!
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