Fugas - dicas dos leitores

Nas ilhas das roças abandonadas

Por Pedro Mota Curto (texto e fotos)

No meio do oceano, e vistas do céu, são dois pequenos tufos de um verde luxuriante, perdidos no meio de um mar imenso que tudo preenche até ao horizonte.

Duas pequenas ilhas, mesmo verdes, à deriva na imensidão azul. Tanto mar, inesgotável na sua beleza aterradora. Tanta água, tão profunda e misteriosa, apenas perturbada pelos picos de duas montanhas vulcânicas, relativamente recentes, que do fundo dos abismos emergiram para colorir esta húmida paisagem monocromática. A natureza e o tempo geológico sempre a deslumbrarem as efémeras e frágeis mentes humanas.

Na sua insignificância territorial ,uma das ilhas ainda é mais pequena do que a outra. A separá-las está uma viagem de trinta minutos num pequeno avião de uma empresa sul-africana. Lotação esgotada é uma constante. Um voo por dia para cada lado. Caso seja necessário, a frequência pode aumentar para dois voos diários. Quase sempre lotação esgotada. Nenhum dos dezoito lugares vai desocupado.

Nestas duas ilhas todos falam português, com orgulho, identificando-se com um distante país europeu mas que continua próximo. O euro é utilizado a par com a moeda local, a dobra. Na capital há um pequeno supermercado denominado “Pingo Doxi”.

O país é dominado pela natureza e pela beleza, no seu máximo esplendor. A população é diminuta. A floresta tropical, desabitada, ocupa a maior parte das ilhas, cujas reservas naturais prevalecem largamente em relação às tradicionais ambições humanas de domínio da natureza. Nestas ilhas, a botânica e a fauna assumem-se como proprietárias de quase toda a realidade. O homem é obrigado a inserir-se e a conviver largamente com a natureza. O ser humano vive em abastada harmonia com a natureza. A floresta domina mas o mar é omnipresente.

Os habitantes são afáveis e cordiais, simpáticos, bons anfitriões e recebem os visitantes com prazer, apesar das dificuldades com que se debatem diariamente. O país, São Tomé e Príncipe, apresenta carências gritantes e as necessidades são inúmeras. Há um único hospital, mal equipado e sem recursos suficientes para auxiliar convenientemente a população.

Há uma única escola secundária. As indústrias são quase inexistentes. Uma fábrica de cerveja, um terminal de combustíveis, algumas cooperativas de artesanato, hotelaria reduzida, aeroporto minúsculo e com pouco tráfego aéreo, alguns voos oriundos de Portugal, de Angola, do Gana, do Gabão, da Guiné Equatorial e pouco mais.

O desemprego elevado é uma característica destas ilhas. A numerosa juventude não tem muitas perspectivas. As famílias também são alargadas, sendo que quatro filhos por casal poderá ser considerado como padrão habitual.

O turismo progride lentamente. A crise global do actual capitalismo selvagem afectou a bolsa de muitos potenciais viajantes, sobretudo dos europeus. Portugueses, franceses, italianos, alemães são os europeus com mais apetência por este turismo de natureza, não massificado, sem centros comerciais, discotecas ou milhares de pessoas a dançarem junto à piscina do hotel de cinco estrelas.

Aqui o turismo é diferente e destina-se a um público mais exigente. A natureza é o grande argumento para visitar estas duas ilhas. O contacto com a floresta impenetrável e com o imenso mar é avassalador.

A maioria das estradas não são alcatroadas, são picadas de terra ou de lama por onde se anda em veículos japoneses com tracção às quatro rodas. Aliás, grande parte das ilhas nem tem acessos para automóveis e muito dificilmente o ser humano aí penetra. As praias desertas são incontáveis. De um modo geral, não há bares nem restaurantes. As paisagens deslumbrantes. As caminhadas pela floresta são inesquecíveis. No norte da ilha principal existe um improvisado restaurante à beira mar, propriedade de um cidadão português, onde se come um peixe grelhado e umas santolas inesquecíveis.

A ilha de São Tomé, situada em pleno Equador, e a ilha do Príncipe são dois paraísos perdidos no meio do oceano Atlântico. No Príncipe existe um alojamento, no Norte da ilha, perfeitamente inserido na floresta tropical. É um local de uma beleza inacreditável. Fusão de mar e floresta, fauna, botânica. A natureza no seu estado puro e quase intocado. Não deve haver muitos locais assim no mundo.

Por algum motivo, um milionário sul-africano está a investir naquela ilha, tentando criar um turismo sustentado, ecológico, de altíssima qualidade. Alguns dos responsáveis locais por este projecto são jovens emigrantes portugueses, altamente qualificados, “expulsos” do seu próprio país. Não é um alojamento de massas nem acolhe hordas de turistas. É sossegado, calmo, com pouca gente, o paraíso na terra. Janta-se junto ao mar, dorme-se na floresta tropical.

A noite é escura, a iluminação é substituída pelo silêncio da natureza, por vezes perturbado pelos ruídos das ondas ou dos animais. O que mais impressiona é olhar para o céu que se sobrepõe à noite escura.

O céu é diferente de todos os céus que tínhamos visto até então. A abóbada celeste presenteia-nos com milhares de estrelas, incontáveis. Olhando para o alto deparamo-nos com uma infinidade de estrelas, um céu estrelado nunca visto, que não está condicionado pelas luzes na Terra nem pela poluição que não existe, nem atmosférica nem visual.

A ilha do Príncipe está às escuras, no meio do oceano, o céu apresenta-se-nos no seu máximo esplendor. Inacreditável. O número de estrelas é incomensuravelmente superior ao que se observa nos outros locais do planeta. São milhares de pontinhos luminosos que nos observam. Só os primeiros hominídeos, na Pré-História, e eventualmente os antigos egípcios, deveriam ter observado um céu assim tão brilhante.

Outro motivo de espanto foi constatarmos a quantidade de roças de cacau e de café que os portugueses conseguiram implementar e desenvolver ao longo do tempo. O café foi introduzido em 1787 e o cacau em 1821. Até 1975, funcionaram dezenas e dezenas de roças, enormes quintas produtivas, com caminho de ferro, hospitais, avenidas, casas coloniais, garagens, bairros dos trabalhadores, fábricas, secadores de cacau, café e cacau que eram exportados para todo o mundo.

São Tomé e Príncipe chegou a ser o maior produtor de cacau do mundo. Igualmente motivo de espanto é o estado de abandono e de ruína absoluta em que se encontra a grande maioria dessas roças. Esperemos que o governo de São Tomé consiga recuperá-las.

São Tomé e Príncipe é um paraíso à espera do futuro que todos os seus habitantes merecem. Portugal poderá desempenhar um papel fundamental, tendo todas as condições para o conseguir fazer. Resta esperar que para realizar esse desejo africano haja interesse e capacidade europeia, uma vez que tal desiderato nem sempre é tão líquido como o mar que rodeia estas singulares ilhas.

 

 

 

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