Se estivermos na ponte Galata Koprusu, que une as duas margens do Corno do Ouro, então teremos a certeza de como é o paraíso — pelo menos a nível de cores. Tal ponte é o camarote principal deste espectáculo celestial que no final de dia concentra centenas de pescadores que mostram a sua paciência e valentia. Amontoam-se nos lados extremos da ponte, fazem-me lembrar as velhas estórias tradicionais, onde os pescadores são caçadores astutos de tesouros! Ali os tesouros resumem-se a uns peixes minúsculos que quando apanhados ficam a nadar dentro de uns garrafões de água até perderem o fôlego. É no meio deste cenário que o sol sai devagarinho de cena, dando lugar a uma lua gigante …
Do Bósforo muito se escreveu, pobre estreito, possui uma tarefa pesada, tem às suas costas a função ingrata de ser fronteira de dois mundos, que se combina com a herança legada de unificar continentes. O Bósforo não é um estreito calmo, ao contrário dos pomposos rios europeus. O Bósforo guarda revoltas e guerras internas, tem personalidade forte e vincada, sabe de onde vem e para onde vai, tem o destino bem traçado, não se deixando perder entre as centenas de barcos o que tornam uma auto-estrada marítima.
É um rio mistificado por lendas e histórias bizarras. Murat, o primeiro depositário de confiança (couchsurfing), contou-nos que em anos antigos, quando nevava, o Bósforo ficava um autêntico glaciar, onde as pessoas passavam de uma margem à outra a andar. Nessa noite pedi aos “deuses” para nevar… A neve não apareceu, infelizmente…
Apareceu, sim, a oportunidade de assistir a uma oração muçulmana na grande mesquita Nova (junto ao Bósforo do lado europeu). Sem fazer barulho e sem sapatos, com um lenço colorido a cobrir a cabeça, entrei devagarinho para assistir a um ritual indescritivelmente belo. Eu gosto de rituais – especialmente estes, não sei porquê.
Saboreei todos os movimentos dos homens, o passar o polegar pelas orelhas, o levantar, o virar a cabeça para cima, para a direita e para a esquerda, a posição das mãos e os sons que, sem os distinguir, percebi que falavam de amor. Foi o tempo do parar, do estar longe da agitação citadina. Sem perceber uma única palavra do que se dizia, aceitei-as todas elas, tornando-as minhas. Sentada naquele chão de alcatifa azul e vermelho, todos os movimentos entranharam-se em mim e foi então que o espírito da cidade (sim, todas as cidades tem um espírito) me abraçou, dando-me as boas-vindas.
Porque razão fui a Istambul? Porque em tempos sonhei com a fonte, que podem ver na foto! Até que um dia, numa revista de viagens, descobri que a fonte dos sonhos era no palácio Topkapi…
Tanto mais havia por dizer, mas corro o risco de parecer uma guia turística...