O que havia à venda nas mercearias de então eram essencialmente pequeninas tabletes, bombons, um ou outro fruto seco e as emblemáticas Fantasias de Natal da marca Regina. Não havia alternativas. Ou melhor, havia. Só que eram todas Regina.
Desde as sombrinhas de chocolate que comia (quando comia!) na escola, passando por aquelas máquinas de furinhos que havia em feiras e cafés: furava-se um buraco num cartão, com uma esferográfica, e saía depois uma bolinha colorida que correspondia a determinado chocolate como prémio. Era uma época de inocência a tempo inteiro.
Um dia quis mostrar à Ana e à Andreia o que era o chocolate e a indústria na qual ele hoje se transformou. Foi assim que, mesmo sem recebermos os bilhetes dourados do candymaker Willie Wonka para visitarmos a sua fábrica de chocolate, num belo dia marçagão nos pusemos a caminho do Oeste lusitano à procura da nossa fábrica de chocolate. Querem vir?
7 de Março de 2009. Apesar de ser sábado, o despertador grita a alvorada às 6h30. Abro as portadas da janela do meu quarto. Espero ver lá fora um céu azul impossível preenchido por um enorme e dourado disco solar. Mas debalde. O céu está nublado e preenchido de laivos metálicos em tons cinza escuro, prometendo grossas bátegas de chuva. Por volta das 7h45 saímos de casa, ainda com tempo para uma ida até ao Feijó, para apanhar o Vasco. Agora sim: saiam da frente que aí vamos nós.
8h e 1,35 € depois, fica para trás a Praça da Portagem da Ponte 25 de Abril. Sempre acompanhados de nuvens e céu cinzento entramos em Lisboa, a porta atlântica da Europa, onde mais adiante embicamos pelo Eixo Norte-Sul para seguirmos em direcção ao Oeste, tomando a A8. Montachique é de seguida, de acordo com as tabuletas. À nossa esquerda, em plena serra, o vento agita as gigantescas pás das hélices do parque eólico, capazes de fazer inveja a qualquer moinho de Cervantes. Pelas 8h48 e 72,5Km já percorridos, passamos pelo viaduto de Alcabrichel. A barriga já dá horas. Paramos para degustar um glamoroso farnel caseiro que a Ana trouxe de casa. São servidos? Leite com café, bolos de arroz, sandes de queijo e fiambre, mais umas fatias de pão-de-ló caseiro e umas bolachinhas gulosas.
Pelas 9h21 chegamos ao Bombarral, onde, por 4,3o€, deixamos para trás a A8. Finalmente o IC1. Olho lá para fora e à minha esquerda, numa colina, aparece-nos uma vila a que os nossos antepassados romanos apelidaram de Eburobrittium, nos nossos dias mais conhecida como Vila de Óbidos. A primeira imagem que nos invade é a de uma vila tipicamente medieval, anelada por uma muralha, albergando no seu interior histórias e memórias de um tempo em que havia reis, rainhas e castelos. Estacionamos o carro. Um bocadinho a pé e um bocadinho andando e um par de minutos depois chega-se à bilheteira. Aí, de bom grado, cada um de nós dá 5€ pelas simpáticas pulseirinhas que nos irão habilitar ao verdadeiro motivo que nos trouxe aqui: o VII Festival Internacional do Chocolate de Óbidos. Esta é a nossa Fábrica do Chocolate.
De pulseirinha no pulso à Porta da Vila batemos. Que mais não é do que a porta principal da vila mandada colocar por D. João IV como forma de agradecimento à Virgem aquando da Restauração de 1640 e que tem como elementos distintivos vários painéis da mais fina azulejaria do século XVIII. Depois da porta vem a Rua de Óbidos, a chamada Rua Direita, assim conhecida desde o século XIV e que liga a Porta da Vila ao Paço. Por ela caminhamos sempre até ao recinto do Festival. Pelo caminho,vamos registando, em fotografia digital, toda a beleza da arquitectura histórica de Óbidos: o Museu Municipal, a Igreja da Misericórdia, o Santuário do Senhor da Pedra, a Capela de Nossa Senhora do Carmo, a visigótica Igreja de Santa Maria, a religiosa Capela de São Martinho, e por fim o Castelo de Óbidos, hoje transformado em pousada.
Aí, junto às muralhas do castelo, onde a entrada para o recinto do Festival propriamente dito está instalada, estão os nossos Oompa Loopas. Estes personagens, que eram os trabalhadores anões da Fábrica, mais não são do que diversos bonecos humanos, disfarçados de guloseimas, que nos dão as boas-vindas recebendo-nos com movimentos diversos, agitação, descontracção, alegria e muito, mas mesmo muito chocolate. Só falta aparecer o próprio Willy Wonka.
Lá dentro, para onde quer que olhemos, avistamos quiosques, tendas, barraquinhas e pavilhões díspares, onde existem diferentes receitas confeccionadas com este alimento dos deuses, para deixar os fanáticos loucos de prazer. Quente, frio, semifrio, sólido, líquido, em pepitas, condimentado, em frutas embrulhadas, ou simplesmente derretido, há para todos os gostos e feitios. Casas em chocolate. Contos de encantar. Formas únicas. Jogos temáticos. Música. Cor. Subitamente, talvez saída do mundo da magia da nossa infância, uma fada, de carne e osso, sorri-nos e leva-nos com ela.
Nas suas transparentes asas voamos até uma tendinha branca, muito fresquinha, onde enormes estátuas em chocolate, branco e preto, com temas alusivos a histórias de amor, provam que a arte e a ciência são duas das mais importantes formas que o homem encontrou para traduzir a realidade. Os seus pasteleiros criadores batalham entre si pelo título medieval de primus inter pares. Não digam a ninguém, mas eu votei em D. Pedro e Inês como a melhor de entre todas.
O tempo corre mais rápido do que um salteador. Uma última visita às barraquinhas de madeira da feira, onde chocolate líquido, escorrendo por gravidade por máquinas giratórias, ondula ao vento. Aqui e ali damos umas trincas numas espetadas de fruta com chocolate e está feito.
12h21m, com dezenas de fotos arquivadas na máquina fotográfica e com uma generosa dose de caramelizados frutos secos, com chocolate como bornal para o caminho, é tempo de partir. Deixamos Óbidos que, com os seus doces lábios vermelhos, rindo sorrisos pintalgados com vários tons de castanho chocolate, nos enche de ternura acenando um adeus e até para o ano.