Fugas - dicas dos leitores

No Parque Natural de Mondragó

Por Fernanda Gamito

O cenário parece ser do tempo da criação do mundo, as águas cintilam em vários tons de azul, o clima está tropical e, nas conversas à volta, as línguas bárbaras predominam sobre as mais conhecidas. A identidade do lugar não se revela de imediato.

“Em Maiorca, há gente até debaixo das pedras”, diz o taxista galego, contente por encontrar portugueses nesta parte da ilha. Para trás, por detrás da linha rendilhada da costa, ficaram as paisagens agrícolas, de pasto, alfarrobeiras, amendoeiras e casas de pedra arenítica côr de âmbar, que também fazem parte do Parque Natural de Mondragó, 790ha de área protegida no sudeste da Balear Maior. Entre a diversidade de ecossistemas que o compõem — dunas, lagunas, pinhal, cultivo tradicional, bosque baixo —, a costa rochosa e as calas (praias) são os maiores atractivos, seduzindo centenas de visitantes por dia. Afinal, pelo menos uma vez na vida, todos deviam ter oportunidade de contemplar este azul plácido e cristalino.

Desculpamos a multidão na Cala de s’Amarador e mergulhamos lado a lado com o corvo marinho, o turista alemão, a família russa, as raparigas espalholas e o maiorquino de fim-de-semana. O sol a pique e a pressão humana não deixam perceber outro tipo de fauna, embora conste que seja diversa, sobretudo no que diz respeito a aves (foram os ornitólogos os primeiros a reivindicar a criação desta área protegida).

Para ouvir, no silêncio, o canto dos pássaros e as ondas escavando as rochas, saltar poças de sal, subir e descer os estratos calcários onde prospera o funcho marítimo e as vistas deslumbram, é preciso transpirar mais um pouco e seguir os caminhos assinalados, sempre à beira-mar. Descobrem-se grutas, minúsculas calas menos frequentadas (os calós) e as estreitas enseadas onde se escondem ricos e famosos em iates brilhantes, tal como outrora os piratas nos seus navios. A sombra fresca dos pinheiros de Alepo substitui com vantagem o guarda-sol. Nas falésias mais altas, espécimes centenários crescem na horizontal, troncos poderosos medindo forças com a rocha e copas disfarçadas de arbustos para resistir ao vento salgado. É daqui que se avista finalmente o azul mais profundo: o azul do Mediterrâneo.

Já no último dia de viagem, um súbito vento de sul turva e agita as águas quentes das calas. Numa enseada próxima, o rodopio de uma “sopa de plástico” quebra o idílio: este é o grande mar interior, o “Mar Branco do Meio”, como lhe chamaram árabes, em cujas margens vivem perto de 250 milhões de pessoas, dispersas por 24 países, sem contar com os milhões de turistas que nele desaguam todos os verões. Quase metade da orla costeira do Mediterrâneo tinha já desaparecido sob o betão, quando o Parque Natural de Mondragó foi criado, em 1992. Não passa de um pequeno reportório da beleza original da ilha de Maiorca, mas talvez, quem sabe, turistas e visitantes levem daqui algo mais do que banhos de sol e de água quente, num vislumbre do que foi e do que poderá ainda ser o azul do mundo.

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