Olá família,
chegámos à fronteira de Bajgiran, a poucos metros do Turquemenistão, também conhecido como Turcomenistão, mesmo antes da abertura prevista, para as 8h – e que frio que estava.
O estranho TurquemenistãoA fronteira abriu, lá passámos pela burocracia normal, pagámos mais uma taxa de entrada de 20 dólares e por volta das 11h já tínhamos os pés em solo do Turquemenistão – e que solo… Estava a nevar e estava tudo simplesmente gelado (uma curiosidade, se todos estávamos espantados com a neve, imaginem o Bill, que decidiu vir de bicicleta para esta parte do mundo, mas que nunca tinha visto neve na vida!).
Da fronteira à capital Achkabad são 55 quilómetros, dos quais mais ou menos 50 têm obrigatoriamente de ser feitos num autocarro que faz o transporte dos passageiros da fronteira até outra barreira policial, uma espécie de segunda fronteira de entrada no país.
Começando por Achkabad, a primeira palavra que me vem à cabeça é surreal. É uma mistura de estranho e maravilhoso, só ultrapassado em surrealismo pela Coreia do Norte. A Associação Repórteres Sem Fronteiras faz um índice de liberdade de imprensa e classifica o Turquemenistão como o terceiro pior país, atrás da Eritreia e da Coreia do Norte.
Grandes avenidas e construções opulentas e grandiosas de mármore (provavelmente vazias), e por outro lado mais polícia na rua do que gente propriamente a caminhar. E a polícia parece estar lá para impedir os turistas de tirarem fotos! À custa disso não fiquei com grandes fotos mas partilho convosco uma foto da praça principal – Praça da Independência. À esquerda, com a cúpula dourada e bandeira, pode-se ver o palácio do Turkmenbashi (local de trabalho do antigo Presidente), e as restantes construções são principalmente ministérios (defesa e justiça).
Três histórias de quando passámos pela Praça da Independência. Primeira, estávamos a andar no passeio e veio logo a polícia a acenar e apitar na nossa direcção para nos avisar que não podíamos andar no passeio, mas sim na estrada pedonal. Segunda, para se passar de uma estrada para a outra, mesmo sem carros à vista, tem de se utilizar as passagens subterrâneas (deve ser para mostrar os mármores caros com que as passagens subterrâneas estão decoradas).Terceira, e a mais engraçada, no meio da praça há uns ecrãs gigantes a passar publicidade – decidimos sentar-nos para ver quanto tempo nos deixavam lá ficar. Não foram sequer três segundos e lá estava a polícia a chamar, a apitar e a ir no nosso encontro, para nos dizer que não podíamos ficar ali!
Há outras três coisas de que claramente gostam no Turquemenistão, e que se podem ver em Achkabad: gostam de construir memoriais e torres/obeliscos; adoram cavalos; e não se consegue ir a nenhum lado sem ver fotos ou estátuas do ex-Presidente. O excêntrico e autoritário ex-Presidente, Saparmurat Niyazov, também conhecido por Turkmenbasy (líder dos turcomenos), foi o Presidente vitalício do país desde a sua independência da URSS (27 de Outubro de 1991) até à data da sua morte, em final de 2006. E foi ele que decidiu gastar a riqueza do país nestas obras faraónicas e sem sentido.
Mas a história mais engraçada é sobre o livro que escreveu Rukhnama, O Livro da Alma, uma espécie de novo Corão, onde estão plasmados os valores e conduta a seguir, de leitura obrigatória na escola, e que, diz a lenda, foi enviado para o espaço com a ajuda dos russos.
No dia seguinte, após mais um passeio pela bizarra Achkabad, começámos a nossa viagem rumo a Darvaza. Não sem antes termos uma peripécia. O táxi em que seguíamos eu, o Thomas e o Bill deixou-nos na estação de autocarros, em vez de nos deixar na estação de táxis compartilhados e não só perdemos mais de uma hora a localizar a estação correcta, como nos perdemos do restante grupo; isto sem conseguirmos comunicar entre nós.
A viagem de Achkabad para a aldeia de Darvaza deu para mostrar o verdadeiro país – desértico, pobre. Por exemplo, em Darvaza os únicos locais onde se pode dormir são casas de chá (dorme-se numa espécie de colchão enrolado) e a casa de banho é um buraco a uns bons 20 metros da casa.
Voltando à história. Quando chegámos a Darvaza, parámos no primeiro café. Não estávamos lá há cinco minutos quando vimos passar, em sentido contrário, o táxi com o restante grupo. Dissemos ao taxista para os seguir e o grupo juntou-se novamente.
Para se chegar à cratera de gás de Darvaza, também conhecida de Porta para o Inferno, é necessário andar duas horas a pé pelo deserto de Karakum. O passeio em si já era espectacular, e chegar de noite à cratera é simplesmente incrível. A cratera é bem maior do que estava à espera (diâmetro de 69 metros e 30 metros de profundidade) e arde mesmo. E num lugar como este, que até se pode classificar como perigoso, ao contrário de Achkabad, não há um polícia, um posto de controlo, uma vedação.
A história da cratera já é em si bem uma boa mostra do declínio da URSS. Fui tirar à Wikipedia: “O local foi identificado em 1971 por engenheiros da USRR, pensando que este poderia ser um campo de petróleo. A partir dessa premissa, eles montaram um acampamento com uma plataforma de perfuração para avaliar a quantidade de gás e petróleo disponíveis no local. Como os soviéticos estavam satisfeitos com o sucesso em encontrar esses recursos, eles começaram a armazenar o gás. Porém, durante as escavações foi descoberta uma caverna subterrânea de grande profundidade, repleta de gás tóxico. Num certo momento dos trabalhos, o chão sob a plataforma de perfuração cedeu, abrindo uma grande cratera que engoliu os equipamentos. Nenhuma vida foi perdida no incidente, mas grandes quantidades de gás metano foram lançadas na atmosfera criando enormes problemas ambientais e imenso dano ao povo das aldeias, resultando em algumas mortes.
Temendo a libertação de mais gases nocivos da cratera, os cientistas decidiram queimá-los. Eles consideraram que seria mais seguro queimá-lo do que extraí-lo do subsolo, pois isso exigiria processos caros. Em termos ambientais, a queima do gás é a solução mais coerente quando as circunstâncias são tais que ele não pode ser extraído para uso. O gás metano lançado na atmosfera também é um perigoso gás de efeito de estufa. Naquele tempo, as expectativas eram de que o gás iria queimar por alguns dias, mas ainda está queimando décadas depois de ter sido incendiado. Não há nenhuma previsão de quando as labaredas vão finalmente cessar, já que ninguém tem noção da quantidade de gás que ainda existe nas profundezas da cratera.”
E já arde há mais de 40 anos.
Nessa mesma noite separámo-nos do Thomas e do Bill, que ficaram a acampar na cratera. E no dia seguinte, no cruzamento entre as estradas que vão para Darvaza, Kunya-Urgench e Dasoguz (fronteira com o Uzbequistão), foi a vez de nos separarmos do Camile e do Gus – como estávamos com o tempo contado, tivemos de escolher entre visitar Kunya-Urgench no Turquemenistão e Khiva no Uzbequistão.
Foram três dias agitados e de loucos, por um dos países mais esquizofrénicos do mundo!
Abraço