Fugas - dicas dos leitores

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De mochila às costas do outro lado do mundo

Por Patrícia Caeiros (texto e fotos)

"Um dia, hei-de pôr a mochila às costas e viajar para o outro lado do mundo". Quem não teve já este sonho? Vai daí, Patrícia Caeiros deixou-se de sonhar e pôs pernas ao caminho. "Escolhi Hanói, no Vietname."

Um dia, sonhei e disse, um dia, hei-de meter a mochila as costas e viajar para o outro lado do mundo. E, para começar essa mesma viagem, Hanói foi a primeira cidade em que o último avião de uma viagem desde Portugal aterrou.

O choque da diferença sente-se logo a saída do aeroporto e o calor e a humidade colam-se ao corpo como se fossem uma segunda camada de pele. As opções para se chegar ao centro da cidade são várias, mas, como já tínhamos ouvido falar dos esquemas dos taxistas e das tarifas exacerbadas que são cobradas aos turistas, optamos pelos transportes públicos.

O autocarro número 7 chega cinco minutos depois de encontrarmos a paragem e pagamos 8.000 dong. Os algarismos dos milhares fazem soar um alarme no ouvido português, mas depois da conversão percebemos que estamos a pagar cerca de 30 cêntimos. Ao fim e ao cabo, 1 euro equivale a mais ou menos 25000 dong. A conversa com a amiga que aqui vim encontrar serve para matar as saudades e, nos interalos, vamos trocando impressões com os dois americanos que conhecemos no aeroporto.

Aqui, as pessoas com as mochilas as costas cumprimentam-se com facilidade. Dizem olá na língua que todos os mochileiros sabem falar e perguntam coisas numa partilha que tanto pode durar cinco minutos, como dias. No meio de palavras inglesas, o revisor, que não as fala, aponta para a saída e escreve o número 14 num pedaço de papel. Pensamos que se está a referir ao número do próximo autocarro que devemos apanhar, já que antes lhe tínhamos perguntado por gestos e apontado no mapa para onde queríamos ir. Saímos. Esperamos pelo autocarro seguinte e seguimos até uma próxima paragem onde finalmente apanhamos o último para perto do nosso hostel.

Existe uma palavra no dicionário que é sinónimo de Hanói: vibrante. Ou talvez caótica. Fico indecisa sobre qual das duas melhor descreve esta cidade.

Despachamo-nos do check in próximo da hora do jantar e, por isso, escolhemos andar pelas ruas perto do hostel e comer num restaurante onde eu nunca entraria se estivesse em Portugal. Mas já sabíamos que os sítios para comer seriam os lugares onde os locais estivessem. Com isto, perguntamos o preço com gestos de mãos que dizem quanto custa, apontamos para as coisas que queremos comer, e sentamo-nos em bancos de plástico que medem 20 centímetros de altura.

Os pauzinhos que substituem o garfo e a faca são de madeira e comento numa brincadeira que devem estar bem lavados, enquanto ao fundo do restaurante, que não é mais do que uma distância de três metros desde o lugar em que estamos sentadas, uma rapariga baixa-se sobre um alguidar cheio de água e começa a lavar a loiça. Vim a descobrir depois que este é um hábito comum em todos os restaurantes e não temos mais do que senão habituarmo-nos. Rio-me. Esta cultura é mesmo diferente e, para a viver, fecho os olhos e ponho um pedaço de Nem na boca, que é o nome vietnamita para uma comida típica que em inglês tem o nome de Spring roll. É uma delícia!

Seguem-se ruas com lojas que têm luzes que encadeiam e que vendem de tudo. De tudo, mesmo. Existem mulheres que transportam cestos com doces em forma de bola e que cheiram a óleo e a açúcar. Estendem-nos um e dizem na língua do país, queres provar. Quase que nos põem os doces dentro das mãos como que numa obrigação para os comprarmos. Aliás, uma delas põe mesmo e diz, try, try, no pay (prova, prova, que não pagas).

E, tal como suspeitava, sabe a óleo usado e a quantidade de açúcar que se sente na língua é capaz de provocar coma hiperglicémico a um diabético. Dizemos que não queremos e seguimos, mas a exaustão da viagem e dos muitos voos que me trouxeram até aqui desde Lisboa começam a fazer-se notar no corpo e eu preciso de dormir. Vamos cá ficar três noites, por isso, há tempo para ver tudo.

No dia seguinte partimos à descoberta da cidade. Visitamos a prisão Hoa Lo, que nos mostra sobretudo a história da luta dos vietnamitas pela independência da França, Quan Su Pagoda, que é um templo que apenas aparece no mapa que nos foi dado no hostel, passamos pelo Museu das Mulheres e almoçamos algures numa rua onde estejam a servir o pessoal de cá. De tarde, aproveitamos a free walking tour do hostel e as explicações dadas por um dos funcionários empolgado em contar um pouco da história da sua cidade.

Paramos numa gelataria, Trang Tien, que o guia diz ser a mais antiga a fazer gelados artesanais. Diz à entrada que existe desde 1958 e, quando pedimos uma bola de gelado num cone de bolacha que custa 12.000 dong, as mulheres que os servem não percebem, apontam para os sabores e voltam a repetir o valor a pagar. Acabo por pedir o de baunilha porque é fácil de ser percebido em inglês. Também sabe a leite de coco quando tento perceber se é tão bom quanto a publicidade que foi feita. Infelizmente, desilude, mas como o calor é muito, acaba por saber bem o fresco que se derrete na boca.

Reservamos o Mercado Dong Xuan para a noite porque nos disseram que a melhor hora para lá ir seria a partir das sete da tarde. Depois, percebemos que não é mais do que uma feira gigante onde se volta a vender de tudo um pouco. O Pho Bo, uma especialidade de comida vietnamita, e que são noodles com carne de vaca, fica para o jantar. Escolhemos comer onde nos aconselharam, mas quando o prato chega à mesa o cheiro não convence o nariz. Esprememos sumo de lima e um pouco de picante, mas o sabor continua a não ser apelativo às papilas gustativas. Já comi comida vietnamita muito mais saborosa e em lugares cuja qualidade era duvidosa, mas, como quando se visitam novos países é imperativo provar o que é típico, esta foi mais uma experiência cumprida e que, no meu caso, não cumpriu com as expectativas.

Guardamos o Templo da Literatura, o Mausoléu de Ho Chi Minh (de onde também se vê o Palácio Presidencial), a Catedral de São José e um espectáculo de marionetas dentro de água para os dois dias seguintes. Este último é uma arte com pelo menos 1000 anos de existência. Nasceu no Norte do Vietname pelas pessoas que trabalhavam nos campos agrícolas inundados no delta do rio vermelho. Alguns dizem que os homens viram na água um potencial palco dinâmico, outros dizem que eles adaptaram o espectáculo de marionetas convencional durante uma época de cheias massivas. Seja qual for a verdade por detrás da origem desta tradição, vale a pena ir ver. Custa 100.000 (equivalente a cerca de 4 euros) e é uma hora que passamos entretidos a ouvir histórias com os olhos, já que a língua falada durante o espectáculo é a própria do país, mas, no fim, deitamos umas gargalhadas cá para fora e sabemos que o dinheiro foi bem empregue.

A realidade é que esta cidade fascina-me não pelas atracções que oferece aos estrangeiros, não pelas passadeiras que não são respeitadas e que por isso temos que nos lançar numa tentativa de atravessar a estrada sem medo de sermos atropelados, não pela sinfonia de buzinas que são ouvidas o dia inteiro, não pelas máscaras de rosto que protegem contra a poluição e que variam de moda como os sapatos em Portugal, não pelo caos que se vive diariamente, mas sim pelo choque cultural.

Aqui, as ruas têm vida própria. Há cheiros e sons que incomodam, há becos que se abrem no meio de prédios estreitos e degradados e que ao fundo vão dar à casa das pessoas que se sentam à porta a venderem o que puderem, há crianças de sorriso no rosto que brincam descalças na rua e nos acenam com hello nos lábios quando nos vêem, há pobreza, muita, mas há também qualquer outra coisa que eu não sei explicar.

Talvez seja porque é a primeira cidade que estou a pisar do outro lado do mundo, talvez não, não sei, mas sei que vou continuar esta viagem por algum tempo e que, da proxima vez, estarei a escrever sobre Halong bay.

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